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Justiça 4.0: herança da pandemia ou utopia futurista?


Resumo: O artigo aborda as soluções tecnológicas desenvolvidas para a implementação do Programa Justiça 4.0, uma iniciativa que tem o objetivo de acelerar a transformação digital do Poder Judiciário. Há um estudo de caso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pioneiro nos processos envolvendo propriedade industrial, direitos autorais e nome empresarial, e conclui com os primeiros resultados dessa iniciativa.

Palavras-chave: CNJ – Justiça 4.0 – Dados estatísticos

  1. Introdução

O advento da pandemia de COVID-19 no primeiro trimestre de 2020 e a necessidade de obediência às medidas de isolamento social determinadas pelas autoridades sanitárias impuseram diversos desafios ao Poder Judiciário no Brasil. Com as portas fechadas para o atendimento presencial e adotando um regime integral de teletrabalho, novas soluções tiveram de ser pensadas para garantir a continuidade da prestação jurisdicional em tempos de anormalidade, sobretudo o deslocamento de atividades judiciais para o ambiente online, tais como audiências e sessões de julgamento.

É nesse contexto que surgiu a Justiça 4.0, programa criado pelo esforço conjunto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para implementar a justiça digital nos tribunais brasileiros e consolidar importante avanço tecnológico no Brasil.

Visando a democratização do acesso à justiça e a maximização da efetividade e transparência nos tribunais, o Programa Justiça 4.0 inova ao utilizar a inteligência artificial e tecnologia para construir um sistema jurisdicional mais transparente, colaborativo, eficiente e integrado, dividindo sua atuação estrategicamente em quatro eixos: inovação e tecnologia; prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos; gestão de informações e políticas judiciárias; e fortalecimento de capacidades institucionais do Conselho Nacional de Justiça.

Para tanto, as importantes soluções tecnológicas desenvolvidas englobam a implementação do Juízo 100% digital, balcão virtual e núcleos de justiça 4.0, que garantem efetividade ao eixo de atuação voltado à inovação e tecnologia, além da criação e aprimoramento dos programas DATAJUD, Codex, Sniper e SNBA, plataformas digitais que dão cumprimento aos demais eixos de atuação do Programa Justiça 4.0.

  • Meios e fins do Programa Justiça 4.0

O DATAJUD, que é a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário e concentra os dados relativos à produtividade dos tribunais, trabalha de forma integrada ao sistema Codex, que extrai, indexa e centraliza todas as informações que constam nos processos judiciais em tramitação, permitindo a funcionalidade da automação do preenchimento das estatísticas do Poder Judiciário. Como resultado da iniciativa, foram compilados e disponibilizados os dados relativos ao quantitativo de processos ajuizados, pendentes de conclusão, julgados, sobrestados, dentre outros dados pertinentes, permitindo, ainda, a pesquisa das estatísticas por período específico.

Além disso, os programas Sniper e SNBA permitem, respectivamente, o cruzamento de dados de vínculos societários, patrimoniais e financeiros de pessoas físicas e jurídicas, e a gestão e destinação de bens apreendidos pelo Poder Judiciário, que reforçam o eixo de prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos, além de colaborarem para a efetividade e satisfação das decisões judiciais, especialmente nos processos de execuções cíveis.

Ainda, foi implementado o Juízo 100% digital, criado pela Resolução CNJ n.º 345 de 9 de outubro de 2020, cuja premissa é a prática de atos processuais exclusivamente pelo meio eletrônico e remoto, inclusive para atendimento ao público e realização de audiências. A fim de operacionalizar a instalação e funcionamento do juízo 100% digital, também foi criado o balcão digital, ferramenta eletrônica que permite às partes e aos advogados contatar remotamente os magistrados por intermédio das secretarias das varas e câmaras, facilitando o acesso à justiça e conferindo celeridade no andamento dos processos. Por fim, a louvável iniciativa do Programa Justiça 4.0 ainda trouxe uma importante ferramenta jurisdicional com a criação dos Núcleos de Justiça 4.0, instaurado pelas Resolução CNJ n.º 385, de 6 de abril de 2021 e Resolução CNJ n.º 398 de 9 de junho de 2021.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pioneiro na agregação dos núcleos à atividade jurisdicional, atualmente conta com sete Núcleos de Justiça 4.0 implementados, cada qual especializado em uma matéria específica, com a prática de atos processuais de forma totalmente digital. O primeiro núcleo, instalado em outubro de 2021 no TJ/RJ, possui jurisdição em todo o Estado do Rio de Janeiro, e é exclusivo para apreciação de matérias ligadas à propriedade industrial, direitos autorais e nome empresarial, desafogando as varas empresariais competentes.

O procedimento para remessa do processo ao Núcleo de Justiça 4.0 é simples, bastando o requerimento de uma das partes e a concordância de ambas as partes para ser concretizada. A partir desse momento, o processo migra da vara empresarial física para ser julgado pelo núcleo de justiça, onde todos os atos processuais passam a ser exclusivamente eletrônicos e remotos.

Muito embora o Programa Justiça 4.0 seja facultativo, sua aceitação pelos tribunais é bastante expressiva: em apenas um ano de vigência, conta com a adesão integral de todos os Tribunais Superiores, da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, além de ter sido implementado em 96% dos tribunais estaduais, em 59% na Justiça Eleitoral e em 33% na Justiça Militar.

De igual modo, os resultados obtidos no balanço do primeiro ano de existência do Programa Justiça 4.0, também impressionam: conforme dados divulgados no DATAJUD, banco de dados do Conselho Nacional de Justiça relativos ao Tribunal 100% digital, até 31/03/2022, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em primeira instância, recebeu 240.443 novos processos, ao passo em que já foram julgados 202.273 processos. Quanto aos Núcleos de Justiça 4.0 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro propriamente ditos, ainda não há dados compilados e disponibilizados sobre os resultados da sua atuação nos seus oito meses de vigência.

  • Um caminho sem volta?

Segundo o Consultor Jurídico (2022), um levantamento do CNJ divulgado em junho de 2022 revelou que a inteligência artificial já está presente na maioria dos tribunais brasileiros. Nele foram identificados 111 projetos com essa tecnologia, em execução ou em desenvolvimento. Em junho de 2021, eram 41 – um aumento de 171% no período. Atualmente, 53 tribunais desenvolvem soluções com uso dessa tecnologia. A maioria impacta um alto número de processos judiciais: 90% dos projetos beneficiam mais de mil processos.

Desse modo, atento ao progresso científico e tecnológico, o Programa Justiça 4.0, custeado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho da Justiça Federal (CJF), cumpre com os objetivos estabelecidos, especialmente quanto à modernização do sistema judiciário brasileiro, apresentando números consistentes em um ano de vigência, e apontando um novo norte da atuação jurisdicional, rumo à ampliação do acesso à justiça e buscando desafogar as serventias físicas por meio da simplificação e celeridade na prática dos atos processuais.

Referências Bibliográficas

Brasil. Resolução CNJ n. 345 de 9 de outubro de 2020.
Dispõe sobre o Juízo 100% Digital.  Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3512  . Publicado em: 15 jun. 2022.

___. Resolução CNJ n.º 385, de 6 de abril de 2021.
Dispõe sobre a criação dos Núcleos de Justiça 4.0. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3843. Publicado em: 15 jun. 2022.

___. Resolução CNJ n.º 398 de 9 de junho de 2021. Dispõe sobre a atuação dos Núcleos de Justiça 4.0, disciplinados pela Resolução CNJ nº 385/2021, em apoio às unidades jurisdicionais. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3978 . Publicado em: 15 jun. 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Base Nacional de Dados do Poder Judiciário: Estatística do Poder Judiciário. CNJ. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/01/1anodej4-0.pdf. Acesso em: 15 jun. 2022.

___. Cartilha Justiça 4.0. Brasília: CNJ, [2021]. 8p. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/Cartilha-Justica-4-0-WEB-28-06-2021.pdf.  Acesso em: 15 jun. 2022.

Inteligência artificial está presente na maioria dos tribunais brasileiros. Consultor Jurídico. 18 jun.2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-18/inteligencia-artificial-presente-maioria-tribunais. Acesso em: 20 jun. 2022.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO BRASIL et al.. Programa Justiça 4.0: Balanço de 1 ano. Brasília: CNJ, [2022]..15p. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/01/1anodej4-0.pdf Acesso em: 15 jun. 2022.

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