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ESG e sua relação com a inovação e a propriedade intelectual

Representantes da academia, do setor público e privado debatem obstáculos e soluções para o avanço dos investimentos, das empresas e da sociedade com a moderação de Gabriel Di Blasi

No dia 23 de agosto 2021, durante o 41º Congresso Internacional da ABPI-Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, foi realizado o Table Topic 4 que abordou um tema relevante no presente e futuro da sociedade brasileira e internacional: a pauta ESG e sua relação com a inovação e a propriedade intelectual. Gabriel Di Blasi, sócio-sênior do escritório Di Blasi, Parente & Associados, moderou o debate entre o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Movida Participações, Edmar Prado Lopes, o vice-chairman do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Carlos Braga, e o professor de Inovação e Competitividade e gerente executivo do núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda.

Logo na abertura da roda de debates, o moderador Gabriel Di Blasi destacou a contextualização do tema: “hoje ocorre uma transformação corporativa que reconhece que o mundo ideal para o modelo de negócios envolve proteger o meio ambiente, promover ações com impacto social positivo e adotar uma conduta ética corporativa”.

Essa nova era do “Novo Capitalismo” ou do “Capitalismo Consciente”, pode ser resumida em apenas três letras: ESG, environment, social, government, em inglês, ou ASG, ambiental, social e governança, em português.

A primeira vez que essa sigla apareceu oficialmente foi em 2004 numa publicação chamada “Who cares wins”, que na tradução livre seria “quem se importa, vence”. Esse documento foi encomendado pelo então secretário-geral da ONU, Koffi Annan, como um pedido para que as instituições financeiras adotassem princípios ambientais, sociais e de governança nas suas análises de investimento. Então, para uma empresa ser ESG ela precisaria adotar ações para proteger os recursos naturais, reduzir a emissão de poluentes e impactar positivamente o meio ambiente. Além disso é necessário se engajar socialmente, o que engloba desde políticas de inclusões sociais, diversidade de gênero, raça, religião e de pensamento e projetos para reduzir a desigualdade na sociedade. Por fim, deve lidar da lisura dos processos corporativos garantindo a independência dos conselhos de administração e investindo em mecanismo para impedir casos de corrupção, discriminação e assédio.

Gabriel Di Blasi destacou que a demanda ESG cresce no contexto da transformação digital, onde há a necessidade de modificação de comportamentos e de hábitos com muita inovação e criação de tecnologias sustentáveis e disruptivas. Advogado especialista em propriedade intelectual, Di Blasi destacou a relevância do tema na pauta ESG: “a propriedade intelectual se desmembra em dois grandes contextos: dentro do ambiente controlado de empresas, com funcionários colaborando no desenvolvimento de práticas sustentáveis, onde seria mais fácil seu gerenciamento e proteção. Por outro lado, há o ambiente de open innovation, de inovação aberta ou cocriação, onde a diversidade de pensamento é predominante. Nele temos parcerias entre empresas, corporações, startups, academias, pessoas do mundo inteiro trabalhando em plataformas simultaneamente buscando eficiência, custo baixo e da forma mais acelerada possível.”

Entretanto, há o desafio de equilibrar a gestão da propriedade intelectual dentro desse ambiente de cocriação de inovação aberta com a dificuldade de identificar a titularidade da propriedade intelectual desses agentes. Problema agravado pelo imediatismo e pela velocidade da disseminação de informação promovida pelas redes sociais.

O professor de Inovação e Competitividade e gerente executivo do núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, acredita que cada vez mais as empresas serão expostas na mídia social, com o devido cuidado das fake News, onde o greenwashing não preocupa mais, em referência ao termo que poderia ser traduzido como “lavagem verde”, “pintando de verde” ou até “maquiagem verde”. Essa prática consiste em promover discursos, anúncios, propagandas e campanhas publicitárias com características ambientalmente responsáveis e sustentáveis sem as medidas concretas.

O diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Movida Participações, Edmar Prado Lopes, concorda com os desafios da atualidade nas mídias sociais e destaca outro risco: os haters que fazem com que as empresas tomem muito mais cuidado com aquilo que elas dizem. Edmar Prado destaca outro aprendizado que envolve a formalidade das empresas, que são organizações hierárquicas e, consequentemente mais lentas no processo decisório, enfrentando um fenômeno instantâneo.

O vice-chairman do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Carlos Braga, conclui com uma constatação: “nossa matriz de risco está desatualizada. Aquela ideia de “falem mal, mas falem de mim” está meio ultrapassada. A sociedade da mídia social tem um fenômeno que cancela as pessoas. E cancela as empresas também” – alerta Braga.

Por mais que os investidores tenham como prioridade apenas o lucro, cada vez mais esses investidores esperam das organizações de gestão de patrimônios ativos que tornem as questões ambientais, sociais e de governança essenciais dentro da estratégia de investimento. Di Blasi trouxe alguns dados recentes que demonstram, de forma tangível e mensurável, a relevância da agenda ESG.

Em maio de 2020, por exemplo, Larry Fink, CEO da BlackRock – maior gestora de ativos do mundo – com cerca de US$ 7 trilhões de investimento, publicou uma carta estabelecendo critérios e parâmetros para investimentos visando o aumento da conscientização da importância do ESG. Segundo Fink, os investidores estão considerando cada vez mais estas questões e reconhecendo que o risco climático é um risco de investimento.

De acordo com relatório recente emitido pela PwC (PricewaterhouseCoopers), até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, o que representa US$ 8,9 trilhões, em relação a 15,1% no fim do ano passado. Além disso, 77% dos investidores institucionais pesquisados pela PwC disseram que planejam parar de comprar produtos não ESG nos próximos dois anos.

São números expressivos que credenciam a entrada da agenda ESG na estratégia empresarial. Entretanto, o professor da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, lembra que não é possível ter uma prática ESG nas empresas sem uma liderança comprometida com esse propósito: “não é cumprir a lei por causa de um compliance, a agenda ESG parte de um propósito. Ele requer um alinhamento estratégico que vai exigir inovação, investimento e estrutura”, defende Arruda.

Nos encontros com investidores estrangeiros, o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Movida Participações, Edmar Prado Lopes, revela que o investidor europeu é o mais avançado, onde a pauta de negócios inclui ESG, com perguntas sobre a representatividade de mulheres em cargo de conselho e liderança, por exemplo. Ainda de acordo com Edmar Prado, o investidor americano é pragmático, onde não tem vergonha de reconhecer que não é o principal tópico das reuniões, mas corre atrás e busca resultados. Já o investidor brasileiro está mais atrasado, mas tem apresentado mudanças importantes em tempo rápido. Para Edmar, a vantagem brasileira é a flexibilidade cultural.

O vice-chairman do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Carlos Braga, alerta que a agenda ESG não deve ser ponta de pauta de reunião, ou seja, se deixar para o final e faltar tempo, provavelmente vai para o próximo encontro. Para ele, o mercado financeiro é composto por pessoas que têm o dever fiduciário de preservar o patrimônio dos seus clientes, o que envolve analisar os “novos” riscos. Por isso acredita que o mercado e seus atores embarcaram na agenda ESG. Braga ilustra seu ponto-de-vista com alguns argumentos, citando que “no Brasil, falar de governança é relativamente fácil porque G remete a Lava-Jato, o A remete a acidentes ambientais como Brumadinho e Mariana e o S teve o episódio com um supermercado muito famoso que tem prejuízo até hoje”, se referindo ao episódio em que um homem negro morreu após ser agredido por seguranças de um estabelecimento no sul do país, logo após o início da mobilização “Vidas Negras Importam” (Black Lives Matters).

O diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Movida Participações, Edmar Prado Lopes, acredita que as empresas buscam cada vez mais incorporar critérios da agenda ESG, mesmo que não haja uma certificação formal, e argumenta que em agosto de 2021 houve a emissão de títulos de renda fixa ou variável de US$ 300 bilhões, o que supera o total de 2020 que foi de US$200 bi. Edmar defende que “o papel do mercado financeiro é ser um intermediário e juntar as duas pontas: os investidores buscando por empresas que enfatizem a pauta ESG e as empresas emitindo títulos nesses parâmetros”.

Para o professor de Inovação e Competitividade e gerente executivo do núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, a exigência da pauta ESG é uma resposta a acidentes gravíssimos de caráter ambiental no mundo desde a década de 1980: “lá atrás era responsabilidade corporativa, depois chamamos de sustentabilidade e agora ESG. ESG não é uma prática, não é uma alternativa estratégica, mas um novo comportamento da sociedade em transformação que tem um histórico lamentável por trás” – concluiu o acadêmico.

O sócio-sênior do escritório Di Blasi, Parente & Associados, e moderador do debate, Gabriel Di Blasi, destacou como bens intangíveis, como a marca da empresa, pode ter um prejuízo reputacional dependendo do desastre que acontecer. O risco de um dano irreparável é um ponto que os fundos de investimento devem levar em consideração na análise a partir da agenda ESG: “ainda não há um critério definido para certificar e as empresas devem fazer uma análise de olhar pra dentro e ver como elas podem se adaptar, mas é importante a conscientização da liderança top down, é a liderança que deve pensar e absorver esses valores para a mudança ESG”. Di Blasi ainda estimulou os participantes com uma reflexão: como avançar além do tema ambiental?

O professor da Faculdade Dom Cabral, Carlos Arruda, acredita que o tema ambiental talvez fique mais em evidência no Brasil pelas questões da Amazônia, das crises de abastecimento de água, dos resíduos industriais e da biodiversidade. Entretanto, na visão do acadêmico a pauta mais popular no Brasil é a social. E essa pauta está diretamente ligada à governança e reorganização, porque não basta o RH desejar contratar só minorias, é necessário atuar na formação de meninas, de negros e isso exige que a empresa tenha que investir fora de suas instalações, na sociedade, pra poder colher bons frutos lá na frente. Outro cuidado é não encaixar filantropia na pauta ESG: “a empresa falar que tem um instituto que cuida da educação de crianças não resolve, não contribui. Filantropia e voluntariado não preenche o S (social) da ESG. Ela é importante, mas não resolve”, concluiu Arruda.

Carlos Braga cita estudo de Thomas Piketty, autor do livro “O Capital no Século XXI”, de que o Brasil é um dos três países com maiores concentrações de renda, onde 56% da renda nacional está concentrada em 10% da população: “isso é comparável com sheik árabe e casta indiana. Em termos de economia somos entre 10º e 11º, mas no ranking da filantropia caímos para 55º. Há espaço para fazer nossas empresas ficarem mais parecidas com nossas demografias”, afirmou o vice-chairman do BDMG.

Para Edmar Prado Lopes, o fato de o mercado internacional usar créditos verdes é uma sinalização de que vai chegar em breve e com força aqui no Brasil. Entretanto, não adianta você ser muito forte em uma das letras e deixar as outras de lado. O propósito é visto quando todas as letras são melhoradas simultaneamente. É preciso andar em todas as dimensões muito junto e muito forte, senão os exemplos negativos acontecem, haja vista a Vale: “a questão é a indução. Definir o que a gente pode mudar e a empresa traz todo seu entorno para o mesmo projeto, para o mesmo propósito. Você começa com coisas simples e influencia todo o seu entorno” resumiu o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Movida Participações.

O moderador Gabriel Di Blasi concluiu o table topic com a segurança de que a inovação é o motor da agenda ESG e que a agenda social na diversidade de pensamento talvez seja a principal pauta para liderar esse movimento, porque sem ela você não consegue organizar uma pauta de meio ambiente ou uma pauta de governança: “ficou claro a importância da inovação em novas tecnologias, investimento em pesquisa e desenvolvimento. Encontrar o equilíbrio da proteção intelectual com o open source e open innovation e precisamos ficar atentos aos marcos regulatórios que devem ser atualizados permanentemente tentando acompanhar o avanço da informação que é impressionante”.

Todos os participantes se demonstraram otimistas com relação aos avanços da pauta ESG no Brasil. Carlos Arruda acredita que o Brasil é uma referência de benchmarking em relação ao ESG e o que se faz necessário para o país é ganhar escala, uma vez que as lideranças estão mais conscientes da relevância dos temas ambientais, sociais e de governança. Carlos Braga acredita que o mercado financeiro fazia parte do problema no passado, mas que agora está pronto para sair do papel de patinho feio na questão ambiental e mudar essa imagem. Já Edmar Prado acredita que a pandemia fez a gente pensar e colocar o ser humano no centro de tudo de novo, o que ajuda a difundir questões sociais e de sustentabilidade. Para Di Blasi, a agenda ESG está na pauta empresarial e, principalmente, no comportamento da sociedade.

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