O sócio fundador do escritório Di Blasi, Parente & Associados, Gabriel Di Blasi, é autor do capítulo sobre Propriedade Intelectual no E-Book sobre ESG editado pela Fundação Dom Cabral, instituição que se consolidou como a melhor escola de negócios da América Latina e a mais bem colocada no Brasil, de acordo com ranking do jornal britânico Financial Times feito em 2020.
O material é fruto de uma rigorosa curadoria e leitura fundamental para quem deseja se aprofundar no assunto das melhores práticas ambientais, sociais e de governança (as letras da sigla ESG) no ponto de vista de experts do país em suas respectivas áreas de conhecimento.
De acordo com Carlos Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e um dos coordenadores do projeto, a ideia foi abrir o leque de opiniões para enriquecer o debate , com uma série de estudos de casos especialmente preparados para o e-book, que reúne seis capítulos compostos por artigos assinados por especialistas. Nas palavras do professor Braga “o texto do Dr. Gabriel Di Blasi nos brinda com um olhar renovado sobre a relação existente entre a propriedade intelectual e as práticas ESG e seu impacto direto na inovação sustentável”.
Link do e-book: https://esg.fdc.org.br/e-books
Atualmente ocorre uma transformação corporativa que reconhece que o mundo ideal para o modelo de negócios envolve proteger o meio ambiente, promover ações com impacto social positivo e adotar uma conduta corporativa ética e transparente. Essa nova era do “Novo Capitalismo” ou do “Capitalismo Consciente”, pode ser definida em apenas três letras: ESG, environmental, social, governance, em inglês, ou ASG, ambiental, social e governança, em português.
Numa linguagem clara e precisa, para uma empresa estar em conformidade com os indicadores ESG ela precisaria adotar ações para proteger e preservar os recursos naturais, reduzir a emissão de gases poluentes e desenvolver de forma sustentável, impactando positivamente o meio ambiente. Além disso é necessário se engajar socialmente, o que envolve desde políticas de inclusões sociais, diversidade de gênero, raça, religião e de pensamento até projetos para reduzir a desigualdade na sociedade. Por fim, deve lidar com a lisura dos processos corporativos garantindo a independência dos conselhos de administração e investindo em mecanismo para impedir casos de corrupção, discriminação e assédio.
O uso de Parâmetros ESG e alguns indicadores para mensurar a performance das empresas
Em termos práticos, os fatores da agenda ESG buscam determinar estratégias e ações no mundo dos investimentos e negócios, de maneira a estarem em conformidade com a respectiva pauta. Tal análise pode definir como as empresas se posicionam no mundo moderno em respeito ao planeta e à sociedade em que opera. Cada vez mais a performance, a reputação e o lucro das empresas serão medidos a partir desses três parâmetros.
No aspecto ambiental, os indicadores variam desde o controle no uso de material reciclável para embalagens, por exemplo, até a compensação na emissão de carbono. Além de realizar a compensação por esta emissão, o objetivo das empresas que estão aderindo à agenda ESG, seria estimular uma linha de produção com zero emissão. Um bom exemplo deste tipo de iniciativa pode ser encontrado no setor agro: uma tecnologia que vem sendo desenvolvida pelos fabricantes de fertilizantes é o aprisionamento de dióxido de carbono no solo, reduzindo a sua emissão na atmosfera, e permitindo gerar crédito de carbono.[1] Na esfera de resíduos, uma meta seria implementar um sistema de logística reversa que permita coletar, em toneladas equivalentes, uma determinada parcela da quantidade de resíduos gerados pelas embalagens. Além de implementar estratégia para redução e desperdício de água e aumentar o consumo de energia renovável.
No que tange ao social da pauta ESG, seria interessante qualificar a contribuição positiva da empresa para o desenvolvimento dos públicos com os quais se relaciona, fomentando ações de educação e de empreendedorismo por meio de plataformas colaborativas, com o objetivo de identificar causas socioambientais relevantes. Nesse aspecto, algumas das diretrizes adotadas seriam de despertar o interesse pelo aprendizado constante e oferecer uma ampla oferta de educação que atenda às necessidades desse público; criar indicadores para avaliar o desenvolvimento humano dos colaboradores; atingir um índice significativo de mulheres em cargos de liderança; promover a inclusão de profissionais da terceira idade no mercado de trabalho; ter um quadro representativo de pessoas portadoras de alguma deficiência. Outros indicadores envolveriam estimular o potencial de realização e empreendedorismo além de outros índices sociais nas comunidades do entorno da empresa[2].
Já no aspecto governança, é importante que o modelo de gestão integre aspectos financeiro, social, ambiental e cultural, estimulando um diálogo com a sociedade e contribuindo para o desenvolvimento empresarial e social. Alguns indicadores incluiriam a implementação e valoração socioambientais, considerando os impactos positivos e negativos de toda a cadeia de valor da empresa, engajamento com públicos de relacionamento na evolução da gestão e estratégia e apoiando a viabilização de soluções e alternativas nos mercados nos quais a empresa atua. A governança deve focar também em fatores de comunicação, ética e transparência.
Instituições financeiras com frequência usam parâmetros ESG e alguns indicadores para mensurar a performance das companhias e, consequentemente, influenciar as avaliações e ratings delas no mercado com respeito aos ativos intangíveis, especialmente em relação à reputação de suas marcas. Além disso, os consumidores estão começando e demandar atitudes responsáveis e transparentes das empresas com quem interagem. Esses indicadores devem trazer diversas vantagens para as empresas, como benefícios reputacionais, mais transparência, governança e a tendência do aumento do valor das companhias no longo prazo.
A Propriedade Intelectual
A propriedade intelectual é o valor intangível mais importante de uma empresa, pois protege os seus bens imateriais, muitos dos quais passam a existir antes mesmo da efetiva criação do negócio. A propriedade intelectual pode ser conceituada como o ramo do direito que visa proteger todas as criações emanadas do ser humano, que possam ser de carácter artístico, industrial ou de qualquer setor produtivo, com um valor agregado.
Ainda, é através da proteção de tais bens que o titular desta propriedade obtém proveito econômico e o reconhecimento de autoria de sua criação. A titularidade de uma propriedade intelectual confere ao seu titular o direito de explorar o objeto protegido com exclusividade, por um determinado período, proporcionando de tal modo a recompensa pelo esforço que ocasionou aquela criação.
O direito de patente, que é previsto na nossa Constituição da República, pode ser conceituado como o direito de propriedade que oficialmente se outorga a uma pessoa física ou jurídica, o qual, durante certo período, confere a exclusividade da exploração de uma inovação tecnológica. Por ser conferido ao inventor o direito de propriedade de patente este direito lhe permite os lucros decorrentes da exploração direta ou indireta através de licenciamentos ou de cessão da respectiva patente.
Assim, podemos afirmar que a patente é o estímulo à genialidade do inventor, induzindo-o a novas criações, satisfazendo a sociedade em suas carências. Por outro lado, a patente remunera o inventor pelo seu esforço criativo e resultado alcançado. Este direito de propriedade constituído é formalizado através de um documento oficial denominado carta-patente.[3]
Já o direito de desenho industrial ou design, pode ser conceituado como uma configuração ornamental de um objeto que possa ser produzido industrialmente ou reproduzido em qualquer setor produtivo. Tais conceitos são relativos à forma plástica de um objeto ou à sua disposição de linhas e cores. Não importa se o objeto é físico ou virtual, bidimensional ou tridimensional, mas sim o arranjo ornamental em si conferido a este um resultado novo e ornamental – por exemplo, o design de uma cadeira, uma interface gráfica de uma plataforma digital, um papel de parede, de uma garrafa de vinho ou de um solado de calçado.[4]
Com relação ao direito de marca, este visa proteger um sinal que permita distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, de mesma atividade, semelhantes ou afins, de origem diversa. É para o seu titular o meio eficaz para a constituição de uma clientela. Para o consumidor representa a orientação para a compra de um bem, levando em conta fatores de procedência ou condições de qualidade e desempenho.
Além disso, a marca atua como um veículo de divulgação, formando nas pessoas o hábito de consumir um determinado bem incorpóreo, induzindo preferências através do estímulo sensorial ocasionado por uma denominação, palavra, emblema, figura, símbolo ou outro sinal distintivo.[5]
Ainda como exemplos de direitos de propriedade intelectual, podemos citar o direito de cultivar, que visa proteção de variedades vegetais, protegidas por meio de um sistema ou categoria sui generis e os direitos de circuitos eletrônicos e programa de computador, que visam a proteção de circuitos integrados e os aspectos literais dos programas de computador respectivamente.
Assim como a titularidade de um bem imóvel confere ao titular direitos e deveres, as marcas, patentes, desenhos industriais, cultivares, programa de computador, circuitos integrados, know-how e outros bens intelectuais intangíveis possuem este mesmo condão, podendo ser “vendidos” (através de um contrato de cessão), “alugados” (através de um contrato de licença), emprestado a título gratuito (através de um contrato de comodato) ou, então, simplesmente utilizados pelo seu titular excluindo o uso de terceiros.
Desta forma, podemos perceber que a propriedade intelectual está inserida em todo tipo de relacionamento que envolva algum setor produtivo, seja ele comercial, artístico ou industrial. Ter conhecimentos básicos deste tema é de suma importância para o sucesso da proteção dos ativos intangíveis de uma corporação, podendo ser inclusive o seu bem mais valioso.
Além disso, a combinação da propriedade intelectual com a inovação dentro de um ambiente corporativo possibilita voos mais altos, alcançando resultados antes não atingidos, que é justamente o que a pauta ESG demanda: inovações, devidamente protegidas e tuteladas, visando novas soluções, que envolvam o meio ambiente, a sociedade e uma boa governança corporativa.
O papel da Propriedade Intelectual nos indicadores ESG
Para que se alcance estes novos resultados, bem como saber como protegê-los, é essencial entender como funciona e como a propriedade intelectual pode ter um papel preponderante nos referidos indicadores, afinal, como já mencionado, a inovação sustentável e o sistema de propriedade intelectual caminham de mãos dadas.
Essas questões podem ser respondidas através do desenvolvimento de ativos intangíveis pelas empresas, com valor agregado, que se orientam pela agenda ESG. Estes ativos podem ser suas marcas registráveis, tecnologias patenteáveis, softwares registráveis, dentre tantas outras opções que possam – e devam ser protegidas pelo direito da propriedade intelectual. Note que, uma empresa pode criar e proteger uma marca específica para sinalizar que uma determinada linha de produtos é feita apenas com materiais recicláveis, desenvolver uma tecnologia capaz de rastrear a origem da proteína animal comercializada no supermercado, ou seja, bife ou alcatra ou desenvolver softwares que ajudarão na criação de planos de ação para a coordenação das pautas sociais ou para a identificação de irregularidade em práticas corporativas. São infinitas as possibilidades que as empresas podem explorar a propriedade intelectual com o viés de sustentabilidade.
Talvez a questão mais importante a ser respondida é como a propriedade intelectual se conecta a todo o processo de inovação e, ao mesmo tempo, se adequa aos parâmetros ESG. É importante ressaltar que as empresas, institutos de pesquisas e universidades não devem considerar a inovação como um fim, mas como um meio de se obter a proteção de seus ativos intangíveis, que é tão importante quanto realizar o processo de criação.
Ou seja, as empresas que pretendem se adequar à agenda ESG podem usar a Propriedade Intelectual como elemento agregador para o seu desenvolvimento sustentável, através de seus direitos de patentes, marcas, designs, cultivares, circuitos eletrônicos entre outros, inspirando o ambiente inovativo a criar. Tais direitos – que asseguram a utilização exclusiva destas criações de forma temporária – garantem, assim, um retorno financeiro ao seu criador, fornecendo-o segurança jurídica. Esse cenário incentiva a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, dentro dos contornos ESG e estimulam a co-criatividade e a colaboração, permitindo a transferência de conhecimento além-fronteiras.
Assim, para encorajar a inovação sustentável, carro chefe do ESG, torna-se essencial o incentivo à propriedade intelectual a fim de proporcionar segurança jurídica aos inventores e investidores, de forma que possam usufruir do retorno proporcionado pela Propriedade Intelectual (PI), bem como serem estimulados a proporcionar desenvolvimento sustentável à sociedade.
Esta é uma pauta que envolve não só o mundo corporativo privado, mas também outros stakeholders, como governos e agentes reguladores, que devem ser engajados no tema para implementar sistemas de propriedade intelectual diferenciados, fortalecendo a aliança com a agenda ESG e, consequentemente, a inovação sustentável. Diversas iniciativas podem ser implementadas para enriquecer essa aliança e parceria. Uma delas é advogar junto aos Escritórios Nacionais de Propriedade Intelectual de cada país para incluir o sistema de PI nos debates sobre políticas ESG. Essa estratégia promoveria discussões acerca dos benefícios da Propriedade intelectual para empreendedores, empresas e inventores visando proteger suas criações e inovações tornando-as mais economicamente sustentáveis e socialmente inclusivas.
O desenvolvimento da inovação relacionada às tecnologias sustentáveis social e ecologicamente poderia, por exemplo, ser desenhadas e implementadas por reguladores e stakeholders da propriedade intelectual espalhados mundo a fora. Essa comunicação estratégica visa qualificar o debate sobre implementação do sistema de propriedade intelectual que beneficiariam tais inovações, como a aceleração na expedição de direitos de PI, reconhecimento de direitos de propriedade intelectual, redução de taxas de manutenção, fomento do licenciamento de direitos de PI, entre outros.
Outra hipótese seria defender junto aos stakeholders de fundos corporativos e de startups estratégias para desenvolver tecnologias relacionadas aos indicadores ESG, gerando portifólios de propriedade intelectual capazes de serem explorados, contribuindo, assim, para atingir os resultados de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, retorno para os seus criadores e investidores. Como exemplo, as tecnologias verdes, utilizadas amplamente em vários setores produtivos e as tecnologias sociais, que defendem a diversidade além da inclusão social, bem como o desenvolvimento de tecnologia de governança para combate a corrupção.
Com relação ao direito de patente, este tem um papel essencial a desempenhar dentro do contexto da agenda ESG, mais especificamente da inovação sustentável, pois, como já mencionado, assegura a proteção às novas tecnologias, garantindo ao seu titular certos direitos exclusivos temporários. Por outro lado, uma vez expirado o prazo de exploração exclusiva colocando a tecnologia em domínio público, o fim desse direito possibilitará o acesso dessa tecnologia à sociedade beneficiando-a quanto ao seu uso e propiciando o desenvolvimento de novas tecnologias partido desse estado da arte.
Nesse contexto, a possiblidade de obtenção acelerada da proteção patentária de invenções voltadas ao meio ambiente, no âmbito do programa das Patentes Verdes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é uma forma de estimular as empresas a desenvolver tecnologias voltadas a sustentabilidade. Esse programa tem como objetivo acelerar o exame dos pedidos de patentes relacionados a tecnologias voltadas para o meio ambiente como um todo. Com esta iniciativa, o INPI também possibilita a identificação de novas tecnologias que possam ser rapidamente usadas pela sociedade, estimulando o seu licenciamento e incentivando a inovação sustentável no país.
Ainda com relação ao programa das Patentes Verdes, a Resolução 247/2020 do INPI amplia o escopo do referido programa incluindo pedidos de patentes relativos à agricultura sustentável. Isso demostra a importância do tema dentro da propriedade intelectual. Para se beneficiar deste programa, é necessário seguir os trâmites tradicionais de um pedido de patentes, sinalizando, entretanto, em campo específico, tratar-se de uma patente que considera tecnologias verdes, para que possa ser concedido ao exame a prioridade em sua tramitação.
Alguns exemplos de energia alternativa previstos no programa são: biocombustíveis, combustíveis sólidos, combustíveis líquidos (como óleos vegetais, biodiesel, bioetanol) e conversão da energia térmica dos oceanos (OTEC). No setor de transportes, os potenciais candidatos à patente verde são veículos híbridos e elétricos ou cuja carroceria possui baixo arrasto aerodinâmico. No segmento de conservação de energia, os projetos envolvem armazenagem de energia elétrica e recuperação de energia mecânica, como balanço, rolamento, arfagem, por exemplo. No escopo de gerenciamento de resíduos, os exemplos e projetos de controle de poluição e gestão da qualidade do ar. Na agricultura sustentável, as patentes verdes passam por técnicas de reflorestamento e alternativas de irrigação. Todos os projetos podem ser consultados no site do INPI[6].
Outros direitos de PI que também possuem uma relação muito estrita com a agenda ESG é a Indicação Geográfica (IG) e as marcas de certificação. Isto porque, no primeiro caso, será através deste que se identificará a origem certificada de um produto ou serviço. Desta forma, apenas os produtores e prestadores de serviços estabelecidos naquele território poderão ter atestado a IG relativo ao produto ou serviço, através de selos que assim o identificam[7]. Do mesmo modo, as marcas de certificação atestam a conformidade de um produto ou serviço de acordo com normas ou especificações técnicas delimitadas. Essas marcas, de certo modo, asseguram também a proteção de marcas relacionadas a produtos e serviços que sustentam práticas ecologicamente sustentáveis.
Estes são, portanto, direitos que possibilitam o rastreamento da origem de fabricação do produto ou serviço, ou certificam a sua conformidade, auxiliando os consumidores a identificarem e diferenciarem os produtos de procedências daqueles que não são originalmente daquelas regiões, mas usam, de certa forma, práticas greenwashing, uma espécie de “limpeza verde”, ou seja, uma propaganda enganosa.
Desafios e oportunidades
Os desafios para a inovação sustentável e a implementação da agenda ESG são variados, dentre eles podemos citar a falta de um marco regulatório, o risco do greenwashing e as plataformas abertas e de co-criação.
É fundamental desenvolver e implementar políticas de inovação em território nacional, visando um ambiente propicio e atrativo para investimentos nacionais e estrangeiros. Não há ainda um marco regulatório no Brasil, com regras claras e consistente, que permita um ambiente de negócio favorável ao empreendedorismo competitivo. Sem dúvidas, a Lei de Startups (Lei Complementar nº 182/2021) já é um avanço para ajudar o ambiente de inovação no Brasil, pois visa oferecer simplificações e incentivos para que as startups possam ser competitivas em ambientes disruptivos e principalmente em inovações sustentáveis que possam trazer benefícios para o meio ambiente e a sociedade.
Além disso, é importante também investir em educação básica para termos uma geração no futuro que seja capaz de elevar o nível de pesquisa e desenvolvimento do país. Focar em inovação, aliada à pauta ESG, se tornou um compromisso estratégico de governo e atores civis caso desejemos ter uma sociedade capaz de encarar os novos padrões mundiais de competitividade e de inclusão corporativa.
No Brasil, em particular, há uma preocupação em adotar estratégias que realmente causem o impacto socioambiental desejável e não se torne uma saída de greenwashing. Os desafios são enormes, pois a sociedade, especialmente as gerações Y e Z, estão cada vez mais exigentes no seu papel de cobrar das empresas uma responsabilidade ambiental, social e de governança, devido as ameaças globais, como aquecimento, desmatamento florestal, desigualdade social, corrupção, entre outras. Não há mais tolerância com práticas, que no passado eram consideradas normais e aceitáveis, e hoje passaram a ser inadmissíveis. Devido a esse cenário, o setor corporativo precisa se adequar a essas pautas para serem avaliadas e aceitas pelo mercado e pela sociedade.
A inclusão corporativa de empresas sustentáveis é um caminho sem volta e o mercado financeiro e as certificadoras irão credenciar as empresas com esse objetivo. Assim, não basta dizer que seus produtos e serviços são sustentáveis ou apoiam práticas sociais quando não o são, pois hoje na internet essas farsas são descobertas facilmente, gerando efeitos extremamente danosos às empresas como, por exemplo, o “cancelamento”. Por isso, devem ser abolidas do dia-dia das empresas, através de mudanças significativas em sua estrutura. Essa mudança de mentalidade deve ser feita de cima para baixo, desde os CEOs e diretores das empresas até os níveis hierárquicos mais baixos das empresas.
Nesse contexto a Propriedade Intelectual tem um papel fundamental, pois através dela, de alguma forma, se pode aferir se marcas que representam produtos ou serviços que afirmam serem de uma determinadas origem ou procedência estão ou não associadas ao greenwashing ou se a tecnologia, que assegura, por exemplo, o controle de poluição e gestão da qualidade do ar, já foi protegida ou se encontra em domínio público para seu uso.
Com relação à inovação aberta ou co-criação, esta é uma forma de acelerar o desenvolvimento de inovações, pois usa a diversidade de pensamento, em todo o mundo através da internet, como potencializador da criação de novas tecnologias. Por outro lado, importante observar que a propriedade intelectual decorrente das inovações, desenvolvidas em ambientes abertos, deve ser considerada, de forma a garantir a titularidade dessas inovações. Nesse contexto, encontrar o equilíbrio entre o conceito de inovação aberta e a proteção à propriedade intelectual é um desafio constante, mas considerado essencial para assegurar o retorno do investimento realizado, bem como proporcionar a garantia jurídica ao ambiente de inovação.
Ainda, em relação à Inteligência Artificial (IA), as atualizações tecnológicas nesse mundo de conhecimentos são tantas que já há inovações ou novas tecnologias sendo criadas através da própria Inteligência Artificial (IA). Em recente decisão na Corte Federal Australiana, foi concedido titularidade à uma IA de um pedido de patente, desafiando a suposição de que a invenção é um ato humano[8].
Essa é uma tendencia e teremos que conviver cada vez mais com a participação da IA no processo de inovação, pois, aos poucos, essas tecnologias estão assumindo posições em que situações análogas que envolvam questões moralmente desafiadoras ocorrem na vida real.
Por exemplo, diversas plataformas com soluções tecnológicas para o tratamento de dados que abrangem desde a área de contabilidade até gestão e recrutamento de pessoal possibilitando mais conhecimento sobre a empresa. Em artigo publicado sobre o “Limite da IA Frente aos Dilemas Éticos e Morais”[9], este menciona que, dados de recrutamento de pessoal se tornam, assim, um importante ativo de uma companhia, uma vez que os outputs de plataformas que utilizam AI podem revelar comportamentos internos da empresa talvez não percebidos por um gestor de maneira ordinária.
Contudo, torna-se necessário questionar constantemente de que forma está sendo realizado o tratamento dos dados para gerar o output. Que dados estão sendo analisados? De que forma os dados são cruzados e que informações são geradas? Por exemplo, no caso de plataformas de recrutamento de pessoal, nem todas as informações extraídas de um currículo refletem o real perfil de um candidato, o que poderá incorrer em uma análise precipitada sobre o mesmo caso não exista uma análise humana posterior como subsídio[10].
Neste sentido, consideramos extremamente oportuna a análise de KUCHLER[11], que, em seu artigo para o Financial Times, pondera (em tradução livre): a IA é como uma criança que imita o comportamento de seus pais, em vez de fazer o que eles lhe falam. Ela absorve dados, encontra padrões e os copia. Embora empregadores possam dizer que querem diversidade, um programa de recrutamento pode, ao invés disso, seguir o padrão de comportamento dos empregadores. Nesse contexto, são diversos os desafios que a agenda ESG impõe à inovação, pois a questão ética deverá estar sempre presente nessa discussão.
Ainda, quanto ao mercado de cosméticos, este enfrenta problemas de identidade e representa uma oportunidade para a parceria entre inovação e propriedade intelectual com a agenda ESG. De acordo com um relatório de julho de 2021 do NPD Group, cerca de 68% dos consumidores disseram que estão procurando marcas de cuidados com a pele que destacam ingredientes “limpos”, que são os produtos de maquiagem e cuidados com a pele comercializados como livres de ingredientes artificiais prejudiciais[12].
Na esfera que envolve as três letras da sigla ESG, o mundo no geral e o Brasil em particular, oferecem desafios e oportunidades para a inovação e para a propriedade intelectual. Durante a COP-26, a Conferência das Nações unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia, o governo brasileiro assumiu compromissos importantes para a preservação do meio ambiente, em especial, da Amazônia. Aderiu a dois acordos internacionais essenciais para a preservação da Amazônia e diminuição de gases: (1) reduzir a emissão de gás metano em 30% até 2030 (com parâmetros de 2020) e (2) zerar o desmatamento até 2030.
A adesão ao acordo sobre o metano representa um gigantesco desafio ao Brasil porque o país emitiu 20,2 milhões de toneladas de metano em 2020 e a meta afeta diretamente o rebanho bovino nacional: 72% da emissão de metano no país vem da agropecuária, 16% de resíduos e 9% de mudança de uso da terra. O Brasil emite 14,5 milhões de toneladas de gás metano na agropecuária sendo 97% consequência da fermentação entérica (arroto e flatulência do rebanho)[13]. Para reduzir a emissão e alcançar a meta será necessário inovar, de forma sustentável, adotando algumas estratégias para o desenvolvimento de tecnologias nessa área, aplicando inclusive a propriedade intelectual, como por exemplo, reduzir o rebanho e o tempo de abate e/ou investir no melhoramento do setor.
É possível perceber, portanto, que há várias oportunidades para se inovar de forma sustentável, mas por outro lado há vários desafios que são relevantes para todo processo de adaptação à agenda ESG, inclusive, de âmbito legislativo, regulatório e ético.
Conclusão
Visivelmente, ficou demonstrado que a relação entre propriedade intelectual e as práticas ESG têm um impacto direto na inovação sustentável. Enquanto as práticas de PI asseguram a segurança jurídica, estimulando o ambiente inovador sustentável nas corporações, startups, instituições acadêmicas e nos demais setores produtivos, os indicadores ESG certificam tais inovações credenciando-as para o seu uso sustentável pela sociedade, sejam elas no meio ambiente, nas ações sociais ou de governança. Por outro lado, não se pode deixar de observar as oportunidades e desafios que essa relação apresenta para todos que participam desse processo.
Nesse sentido, pode-se afirmar que essa relação veio para ficar e transformar a humanidade, cada vez mais consciente e engajada com o aperfeiçoamento das relações humanas, econômicas e sociais entre os diversos stakeholders da sociedade.
[1] Dollars in the dirt: Big Ag pays farmers for control of their soil-bound carbon. Disponível em https://www.reuters.com/business/cop/dollars-dirt-big-ag-pays-farmers-control-their-soil-bound-carbon-2021-10-25/ Acesso em 17 de nov. de 2021.
[2] Natura conquista certificação B Corporation pela sustentabilidade dos seus negócios. Disponível em <https://www.ethos.org.br/cedoc/natura-conquista-certificacao-b-corporation-pela-sustentabilidade-dos-seus-negocios/> Acesso em 29 out. 2021
[3] DI BLASI, Gabriel. Propriedade Intelectual – Os Sistemas de Marcas, Patentes, Desenhos Industriais e Transferência de Tecnologia – 3ª Edição – Editora Forense – 2010
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Disponível em <https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/tramite-prioritario/projetos-piloto/Patentes_verdes> Acesso em 29 out. 2021.
[7]Selos Brasileiros vão identificar de forma unificada produtos com Indicação Geográfica. Disponível em < https://ja7.com.br/2021/11/04/jornal-ja-7-selos-brasileiros-vao-identificar-de-forma-unificada-produtos-com-indicacao-geografica.html> Acesso em 11 nov. 2021.
[8] AI Can Now Be Recognized as an Inventor. Disponível em < https://cacm.acm.org/news/254492-ai-can-now-be-recognized-as-an-inventor/fulltext> Acesso em 05 de nov. de 2021.
[9] Limite da IA frente aos dilemas éticos e morais. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/limite-da-ia-frente-aos-dilemas-eticos-e-morais-08122017> Acesso em 17 de nov. de 2021
[10] Ibid.
[11] KUCHLER, Hannah. Beware AI programs recruiting staff in their own image. Financial Times. 27 sep. 2017. Tradução nossa. Disponível em https://www.ft.com/content/a5982330-75f6-11e7-a3e8-60495fe6ca71 Acesso em 17 nov. 2021.
[12] Mercado bilionário de ‘beleza limpa’ enfrenta problemas de identidade. Disponível em < https://exame.com/?p=4240747> Acesso em 29 out. 2021.
[13] COP26: Brasil e cerca de 100 países se comprometem a reduzir emissões de metano em 30% até 2030. Disponível em <https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/02/cop26-97-paises-se-comprometem-a-reduzir-emissoes-de-metano-em-30percent-ate-2030-brasil-aparece-na-lista.ghtml> Acesso em 5 nov. 2021.