Muito tem se escrito e falado sobre ESG recentemente. Essas três letras – do inglês, Environment, Social and Governance – de forma geral, tratam de um compêndio de padrões utilizados por investidores para analisar as operações de empresas sob três óticas. A ambiental trata de como as empresas impactam e atuam face a utilização de recursos naturais de forma a resguardá-los. A social examina como a empresa se relaciona com seus distintos stakeholders (internos e externos). Já a de Governança avalia a liderança da empresa, bem como seus procedimentos e políticas institucionais de forma a proteger e promover sobretudo a diversidade, inclusão e transparência de suas práticas corporativas.
Dentre os diversos debates atuais, ressalto dois. O primeiro, de cunho mais técnico, foca nos distintos índices providos pelo mercado para analisar a performance das empresas sob a tríade proposta. Durante muitos anos, os dados empresariais relacionados a ESG foram tidos como não contábeis. Desde a alcunha do termo “sustentabilidade corporativa” nos anos 2000, muito evoluiu no que concerne criação de métricas para mensurar performances até então tidas como intangíveis. Kotsantonis – Serafeim (2019) mencionam que estudos realizados pela Harvard Business School, apontam a existência de mais de 20 tipologias distintas de indicadores sobre práticas ESG, sendo inconsistentes, principalmente, no que concerne: a) transparência das informações inseridas; b) consistência das informações entre distintos setores, c) discrepância entre metodologias utilizadas. Apesar das críticas e clamores por uma maior equidade metodológica, a evolução da incorporação de práticas e padrões ESG na operação das empresas evoluiu consideravelmente nos últimos 20 anos. E dados recentes demonstram que aquelas empresas que, apesar de distintas metodologias, incorporam práticas de ESG nas suas operações, obtém melhores performances financeiras. Nos EUA, por exemplo, análises do Morgan Stanley (2020) sobre ESG investing in 2020, mostram que os fundos de investimento sustentáveis norte-americanos super performaram em 4.3pp fundos tradicionais. Já na Europa, segundo Jonhson (2020), do jornal Financial Times, os fundos atrelados a ESG detiveram, pela primeira vez, maior capitalização do que fundos tradicionais, pulando de $59bn a $174bn no último ano. Entende-se, portanto, que apesar de questionamentos metodológicos, o setor empresarial vem melhorando sua performance na busca de práticas mais sustentáveis.
O segundo debate concentra-se na ausência de uma reflexão contundente sobre como os Governos, responsáveis pela regulamentação das práticas empresariais (em menor ou maior escala), não iniciam um exercício de report similar ao demandado aos entes corporativos. A lógica seria mais ou menos equivalente – quanto maior sustentabilidade na alocação de recursos (aqui, atrelados aos 3 pilares ESG e não somente financeiros), maior capacidade de atração de investimentos. Aqui não se trata da implementação de regulações que considerem práticas mais robustas de ESG, mas de uma visão integrada pelos governos de suas próprias performances no tema. Nesta analogia, quanto melhor o desempenho de um município em indicadores ambientais, (em saneamento básico ou manejo de resíduos sólidos, por exemplo), mais atrativo se torna para a alocação de investimentos públicos ou privados.
Rajgopal (2020) diz que parcas reflexões estão sendo realizadas nesse sentido – essas, também pressionadas por expoentes do mundo financeiro e acadêmico. Em provocação realizada por Professores da Columbia Business School, o orçamento anual do Congresso americano e sua respectiva prestação de contas são comparados com os da Apple. Considerações de segurança nacional à parte, a provocação joga luz na ausência de transparência de alocação de recursos públicos e como se, endereçada, reverter-se-ia num potencial ganho em escala de absorção de práticas de ESG. Em suma, governos com melhores performances em ESG, atrairiam empresas mais sustentáveis e assim, a prática se amplifica. Neste debate, os índices são mais escassos. De forma não exaustiva, ressalto a apresentação de Sailer (2017) sobre o MSCI ESG Government rating, o índice da Sustainalytics country ratings (2021) e iniciativa recente do Centro de Liderança Publica – CLP (2020) no intuito de desenvolver o índice de competitividade dos estados brasileiros com base nos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU.
Verdade é que os governos também evoluíram ao longo da última década em práticas mais sustentáveis. Na crise financeira de 2008/09, pouco da recuperação econômica passou, na prática, por soluções atrelada a ESG. Conforme artigo publicado pela McKinsey, na retomada da Covid-19, muitos países fizeram uso da pandemia para alavancar agendas verde.
Há alguns exemplos que valem mencionar, como a China que, em setembro de 2020, se comprometeu a reduzir para zero suas emissões líquidas de carbono até 2060. A promessa do Japão é de se tornar carbono neutro até 2050. O Green New Deal da Coreia do Sul faz parte do seu plano de recuperação econômica, afirmando ter o objetivo de zerar as emissões líquidas até 2050.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, se comprometeu durante sua campanha a investir $2 trilhões em energia limpa nos setores de transportes, eletricidade e construção. O Canadá está relacionando a recuperação aos objetivos climáticos. A Nigéria planeja descontinuar gradativamente os subsídios concedidos a combustíveis fósseis e instalar sistemas de energia solar para um número estimado de 25 milhões de pessoas, e a Colômbia está plantando 180 milhões de árvores.
Iniciativa não mencionada no artigo da McKinsey, mas de igual importância foi o ambicioso anúncio em 14 de julho do European Green Deal para a retomada econômica no valor total de 1 trilhão de euros.
Apostaram na economia verde com tons marrons. Interessante seria, se além da agenda verde, incorporassem outras métricas relacionadas ao social e à governança. Em novembro de 2021, os Governos detêm uma oportunidade ímpar para a discussão do tema na Cop-26, Conferência do Clima das Nações Unidas a ser realizada em Glasgow, Escócia. Não somente uma oportunidade para debater avanços contundentes nas definições de regras do mercado internacional de carbono e repactuar compromissos assumidos com a assinatura do Acordo de Paris, mas também a de colocar no centro dos debates, a possibilidade de os próprios governos somarem esforços e ampliarem o “Walk the talk” do ESG corporativo.
Seguindo a analogia proposta, se considerarmos o desempenho financeiro dos fundos sustentáveis nas últimas duas décadas, estaríamos vislumbrando a possibilidade de haver cidades, estados e países com elevada atratividade e retenção de capital humano de altíssimo nível, capaz de gerarem PIBs significativos e sustentáveis em 2041. O business case é forte. Resta saber se a vontade política sege na mesma direção.
*Raquel Araujo, especialista em relações governamentais e head da área no Di Blasi, Parente & Associados