Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou, em turno único e votação simbólica, o Projeto de Lei 2088/2023, que autoriza o Poder Executivo a adotar contramedidas comerciais, ambientais e relativas a direitos de propriedade intelectual (PI) contra países ou blocos econômicos que imponham restrições às exportações brasileiras. A proposta, de origem no Senado, segue agora para sanção presidencial, que deve ocorrer com celeridade diante da priorização dada pelo Palácio do Planalto.
Contexto Geopolítico
A aprovação ocorre em um contexto de crescente adoção de políticas comerciais mais restritivas por parte de alguns países, intensificadas após o anúncio do então presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a aplicação de uma tarifa de 10% às importações provenientes do Brasil, além de medidas similares envolvendo outros 58 países. As novas tarifas somam-se a restrições já existentes sobre produtos como aço, alumínio e automóveis, sendo aplicadas de forma não cumulativa. Em resposta, o governo brasileiro divulgou uma nota conjunta dos Ministérios da Indústria, Comércio e Serviços e das Relações Exteriores, indicando a possibilidade de adoção de medidas diplomáticas e, se necessário, ações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O projeto original também foi motivado por preocupações relacionadas à Lei Antidesmatamento da União Europeia, que estabelece exigências mais rígidas de rastreabilidade ambiental para a importação de produtos agropecuários. A legislação europeia, com vigência a partir de dezembro de 2025, impedirá a entrada de mercadorias oriundas de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Estimativas indicam que até 34% das exportações brasileiras para o bloco europeu poderão ser impactadas, especialmente em setores como soja, carne bovina e café.
Principais Dispositivos do PL 2088/23
O projeto estabelece mecanismos legais para adoção de contramedidas que incluem:
- Aumento de tarifas de importação sobre produtos originários de países ou blocos que imponham barreiras ao Brasil;
- Suspensão de concessões comerciais ou de investimento;
- Suspensão ou limitação de obrigações relacionadas à propriedade intelectual;
- Bloqueio ou limitação de remessa de royalties ao exterior, inclusive via aumento da Cide-Royalties (atualmente em 10%) ou da Condecine (11%), que financiam os setores de inovação e audiovisual, respectivamente.
Essas medidas poderão ser adotadas em casos de “ações, políticas ou práticas” incompatíveis com acordos comerciais multilaterais, como os da OMC. Vale lembrar que o Brasil não possui com os EUA um acordo comercial com tarifas diferenciadas, como ocorre entre EUA, México e Canadá.
Resguardo diplomático e proporcionalidade
Apesar de autorizar instrumentos típicos de “guerra tarifária”, os parlamentares envolvidos alegam que o projeto prioriza a via diplomática, determinando que as contramedidas devem ser:
- Proporcionais ao impacto econômico das medidas externas;
- Monitoradas periodicamente quanto aos seus efeitos;
- Reavaliadas conforme o andamento de negociações diplomáticas.
Está prevista a realização de consultas públicas e técnicas para embasar a definição das contramedidas, com o objetivo de evitar impactos desproporcionais à economia brasileira.
Tramitação e apoio político
O projeto foi aprovado por ampla maioria, tanto no Senado (70 votos favoráveis) quanto na Câmara, e contou com o apoio de parlamentares da base e da oposição. O relator na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), defendeu o equilíbrio entre a defesa dos interesses nacionais e o respeito à soberania de outros países.
Durante a votação, a equipe de Relações Governamentais do Di Blasi, Parente & Associados, de Brasília, esteve reunida com o relator para apresentar preocupações específicas sobre os impactos do texto na área de propriedade intelectual, em especial o risco de utilização da PI como instrumento de retaliação comercial, com potenciais consequências para setores estratégicos, como o farmacêutico e o de biotecnologia.
Durante a tramitação do projeto, a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), presidida pelo sócio Gabriel Di Blasi, em conjunto com outras associações de grande representatividade para o setor, propôs uma emenda com o objetivo de conferir mais segurança jurídica e previsibilidade às contramedidas relacionadas aos direitos de propriedade intelectual.
A sugestão previa a limitação temporal de tais medidas a seis meses, critérios objetivos para sua adoção — como a existência de um único beneficiário local com capacidade produtiva comprovada (exploração local) — e mecanismos de revisão periódica a cada dois meses. No entanto, o texto final aprovado não incorporou essas salvaguardas específicas, mantendo uma redação mais ampla e aberta quanto ao uso da suspensão de obrigações relativas à PI, determinando que tais medidas sejam utilizadas em caráter excepcional e privilegie a proporcionalidade e a revisão periódica. Faltam, então, critérios operacionais claros para sua aplicação para evitar incertezas regulatórias e impactos indiretos a setores estratégicos que dependem da previsibilidade no tratamento de ativos intangíveis.
Próximos Passos
A expectativa é que o texto seja sancionado pelo Presidente da República antes do prazo legal de 15 dias. O regulamento que detalhará os procedimentos para a imposição de contramedidas — incluindo consultas públicas, prazos de análise e sugestões de medidas — deverá ser editado pelo Poder Executivo após a sanção.
Nossa equipe de Relações Institucionais & Governamentais do Di Blasi, Parente continuará acompanhando os desdobramentos deste tema.