A preocupação com a forma com que a sociedade tem se desenvolvido e com os impactos que esse avanço acelerado pode causar no futuro estão sendo um dos principais assuntos nos conselhos governamentais mundiais e de administração de empresas públicas e privadas, como a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), resultando em mobilizações de diversos entes (governos, estados, empresas, investidores, universidades etc.) a buscarem soluções adequadas ao desenvolvimento da sociedade.
No caso das empresas, justamente para sinalizar esse comprometimento ao desenvolvimento sustentável muito se fala e se aplica a sigla ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), que em português significa, meio ambiente, social e governança corporativa, utilizada para indicar o nível de sustentabilidade e de impacto social de uma empresa, seja ela pública ou privada. Nesse sentido, devido à relevância do tema, esse “selo” ESG vem sendo encarado como uma demonstração do compromisso das empresas, agregando valor ao negócio ao expor o quanto a instituição se importa com o seu impacto no progresso da sociedade.
Justamente em decorrência do impacto do ESG no valor de uma empresa para a sociedade é que as instituições vêm repensando os fatores ambientais, sociais e de governança que podem impactar as suas marcas, sendo a questão da pirataria de seus produtos uma delas.
Observe-se que a falsificação de produtos é inversamente oposta aos três pilares do ESG, haja vista que: (i) incorrem em produção de bens que muitas vezes deverão ser descartados por não serem seguros para o consumidor, haja vista que não passou por vistorias ou aprovações de agências regulatórias especializadas, gerando até mesmo uma produção maior de resíduos sólidos; (ii) afetam diretamente o consumidor/ sociedade que adquire produtos que além de infringir a propriedade intelectual de terceiros são potencialmente prejudiciais a sua segurança e saúde, bem como prejudica a contratação de trabalho regular quando a empresa passa a perder mercado para a pirataria; e (iii) representam consideráveis perdas econômicas para as empresas e gastos para gestão pública, seja no controle de fronteiras ou até mesmo na redução da arrecadação fiscal, prejudicando a economia e melhor direcionamento dos gastos privados e públicos.
Em decorrência do impacto da pirataria na estratégia do conjunto de práticas adotadas dentro de uma organização empresarial que precisa conciliar os seus interesses com os órgãos governamentais e regulatórios, no Brasil, dois órgãos notabilizaram-se pelo empenho em diminuir o mercado ilegal da pirataria: o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP/ SENACON) e o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP).
Nesse passo, os relatórios da CNCP demonstram essa preocupação e investimento governamental em elaborar as diretrizes com diversos atores privados para a formulação e proposição de plano nacional em combate à pirataria, à sonegação fiscal dela decorrente e aos delitos contra a propriedade intelectual.
De acordo as manifestações realizadas pelo FNCP, ficou constatado que a pirataria gerou em 2020 um prejuízo de R$ 288 bilhões para o país (considerando as perdas dos setores produtivos e de arrecadação de impostos), ressaltando que o dinheiro que deixa de ser pago em impostos poderia retornar à sociedade com investimentos em educação, segurança e construção de estradas, por exemplo, bem como indicou que as consequências da ilegalidade no Brasil vão além da perda de impostos, pois atingem também a geração de empregos.
Conforme mencionado, os números, compilados pelo FNCP, traduzem o impacto econômico da pirataria em uma série de setores produtivos:
Conforme com os balanços aduaneiros divulgados pela Receita Federal, a apreensão de mercadorias irregulares nos por tos, aeroportos e pontos de fronteira tem crescido sistematicamente ao longo dos últimos dez anos, mais que duplicando os seus valores, saltando de um montante anual de aproximadamente R$ 1,27 bilhões no ano de 2010 para R$ 3,03 bilhões no ano de 2020. O que salta aos olhos é a diversidade de produtos falsificados, dentre eles, produtos tóxicos, medicamentos e produtos sensíveis como armas e munições, que possuem grande potencial lesivo, além de artigos que ferem os direitos autorais, e alimentos impróprios para consumo, entre outros produtos condenados por não atenderem às normas da vigilância sanitária ou defesa agropecuária.
Até mesmo produtos legais, mas importados de forma fraudulenta ou que adentram clandestinamente no país, impactam no desenvolvimento justo e sustentável desejado pelas iniciativas governamentais e os almejados “selos” ESG pelas empresas. Isso corre porque eles prejudicam aqueles que trabalham corretamente, retiram os empregos formais bem como reduzem tributos que deixam de ser recolhidos aos cofres públicos que deveriam ser convertidos em prestação de serviços para a sociedade.
Para inibir essa prática danosa e considerando o dano ocasionado pela venda de produtos falsificados, estratégias estão sendo adotadas pelas empresas que buscam cada vez mais se alinhar aos pilares do ESG. As empresas investem na adoção de diversas medidas em combate a essas infrações, como medidas de fronteiras, ingresso de ações judiciais e alternativas como a inserção de selos de autenticidade e, até mesmo, certificações em NFTs, bem como programas de denúncia de plataformas e redes sociais.
As medidas cabíveis devem ser escolhidas em atenção às limitações de cada uma das alternativas, bem como serem traçadas de forma estratégica para a maior efetividade de cada caso, podendo ser adotadas em conjunto ou separadamente. A seguir detalhamos algumas dessas medidas.
• Medidas de fronteiras
A adoção de medidas de fronteiras é considerada uma das mais vantajosas e efetivas, em razão da possibilidade de se apreender um grande número de produtos em um só momento. Nesse caso, a atuação do titular da marca, normalmente realizada através da contratação de escritórios especializados, é importante não só para identificar se o produto é ilegal, mas como também para tomar as medidas cabíveis para impedir a sua nacionalização e posterior comercialização em território nacional.
• Denúncia nas plataformas digitais de comercialização e redes sociais
Vale pontuar que, tendo em vista que muitas vezes os produtos falsificados são comercializados em marketplaces, muitas plataformas digitais/eletrônicas vêm criando programas de denúncia e proteção dos produtos comercializados que violam os direitos de propriedade de terceiros. Aqui podemos citar o “Brand Protection Program” do Mercado Livre (BPP), idealizado para que se diminua as chances e ocorrências do consumidor adquirir produtos não originais que infringem direitos de terceiros.
O programa BPP do Mercado Livre é um sistema de notificação e remoção de anúncios na plataforma que contenham violações de Direitos de Propriedade Intelectual de terceiros, facilitando a adoção de medidas contra a venda de produtos falsificados. A partir da denúncia, o anúncio poderá ser pausado e o vendedor denunciado receberá uma comunicação, indicando que terá um prazo para entrar em contato com a empresa através do programa e demonstrar que seu anúncio não viola nenhum direito. Caso o programa corrobore com a denúncia realizada o anúncio do produto é retirado da plataforma e o vendedor denunciado pode vir a ser penalizado pela plataforma. Estas penalidades podem incluir impacto em sua reputação, restrições em sua conta, suspensão, inabilitação temporária ou permanente.
Como aqui se faz necessário agir contra cada anúncio individualmente, para auxiliar a identificar os anúncios de produtos potencialmente falsificados ou de importação paralela, hoje já é possível encontrar plataformas dedicadas a identificar essas infrações de propriedade intelectual em sites de vendas online através da análise de anúncios de produtos suspeitos ostentando a marca da empresa, como a Pulpou.
Ainda, no caso de violação de propriedade intelectual de terceiro nas redes sociais, é possível recorrer aos canais de denúncia da própria rede social e requerer que a postagem ou o próprio perfil seja excluído, a depender da gravidade e da prática reiterada.
• Notificação Extrajudicial
Trata-se do envio de uma carta, solicitando amigavelmente que o terceiro adote determinadas providências para cessar a infração. Para se viabilizar essa medida é necessário identificar endereço (físico e/ou eletrônico) para contactar o notificado.
Apesar de ser importante que os titulares de direitos adotem medidas diretamente contra a comercialização do produto falsificado ou contra o infrator, devido ao impacto dessa prática, é imprescindível o recorrente diálogos entre os entes públicos e privados para buscarem outras soluções conjuntas no combate à pirataria e, consequentemente, um desenvolvimento mais sustentável das relações comercias em um país, seja para programas de conscientização, seja para a elaboração de projetos mais amplos de cooperação ou, até mesmo, uma evolução legislativa quanto ao tema. Todavia, para estar em consonâncias aos pilares do ESG as empresas não podem se resguardar apenas na atuação governamental, devendo traçar estratégias efetivas no combate à pirataria de uma forma coletiva. Desta forma, além de as ações poderem atingir um número maior de pessoas, será mais efetiva e menos custosa.