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Contratos 360º na indústria musical brasileira

Os efeitos da Revolução Digital na indústria fonográfica no Brasil e no mundo foram disruptivos, impactando fortemente nas margens de lucro de gravadoras e selos.

Uma das formas encontradas pelos mesmos para obter novo fôlego em suas atividades foi a utilização de instrumentos popularmente conhecidos como “Contratos 360º”.

A arquitetura de tais contratos, em geral, é alicerçada na expansão do espectro da remuneração de gravadoras/selos assegurando sua participação nas múltiplas fontes de receitas provenientes da exploração da carreira dos artistas nos mais variados segmentos.

A utilização de tais instrumentos no Brasil aumentou significativamente na última década e é importante que artistas e seus representantes estejam plenamente conscientes de sua abrangência e possíveis implicações.

Ao mesmo tempo em que assinar um contrato desta natureza pode representar para o artista uma grande oportunidade, a realização de um sonho, a médio/longo prazo pode se transformar em um pesadelo, a depender das condições acordadas, caso a caso.

O pagamento de atrativos adiantamentos (recuperáveis) aos artistas e, por vezes, o investimento em mídia em suas carreiras, proporciona às gravadoras/ selos a possibilidade de passarem a auferir, além da remuneração que lhes cabe como produtores fonográficos, uma remuneração percentual adicional sobre os rendimentos oriundos da realização de shows, turnês; da participação daqueles em campanhas publicitárias (merchandising); da respectiva atuação em filmes, novelas, séries, reality shows; do licenciamento de produtos que ostentem seus nomes artísticos, marcas ou imagens; da celebração de contratos de patrocínio, etc.

Além disto, em situações em que os artistas sejam autores das obras musicais que interpretam em seus álbuns, e quando estas não estiverem previamente editadas, as gravadoras/selos podem incluir a obrigação de que tais obras sejam objeto de celebração de contrato de edição com empresas pertencentes ou associadas ao mesmo grupo. Desta forma passam a participar também da repartição dos royalties oriundos da remuneração que cabe aos artistas/criadores (por vezes identificados como “cantautores”) a título de direitos autorais patrimoniais sobre a exploração econômica de suas obras musicais.

A definição dos percentuais de remuneração das gravadoras/selos em cada segmento de atuação dos artistas contido no contrato, em geral, dependerá do posicionamento destes no cenário musical e seu consequente poder negocial.

Assim, artistas iniciantes ou com a carreira em fase de consolidação, na maioria das vezes, têm menos voz ativa e tendem a firmar contratos em condições que lhe são menos favoráveis.

É importante verificar também se tais percentuais são aplicáveis sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida auferida (após a dedução de despesas de várias naturezas, impostos, etc.), a fim de dimensionar o impacto sob a remuneração que caberá aos artistas, ao final.

Um ponto de grande relevância que deve ser observado com especial cautela é a forma de recuperação pelas gravadoras/selos dos adiantamentos concedidos aos artistas. É muito comum a existência de cláusulas dispondo que haverá a prorrogação automática do prazo de vigência do contrato se na data prevista para seu término os adiantamentos concedidos não tiverem sido integralmente recuperados.

Ainda, há situações em que a recuperação prioritária pelas gravadoras/selos de tais adiantamentos impõe ônus gravoso aos artistas que, por vezes, passam a receber ínfimos valores até que o total adiantado esteja integralmente quitado.

Não é raro também verificar-se nestes contratos a escassez, ou até a inexistência, de mecanismos de rescisão unilateral extrajudicial por parte dos artistas na hipótese de violação de determinadas obrigações pelas gravadoras/selos, o que dificulta ainda mais a eventual possibilidade de encerramento da relação contratual de forma célere e menos onerosa.

Em síntese, ante a abordagem de alguns pontos relevantes presentes em Contratos 360º, dentre outros igualmente importantes, destaca-se a imprescindibilidade da negociação pré-contratual entre as partes antes da execução de qualquer atividade artística relacionada a tais instrumentos.

Por fim, com o mínimo e justo equilíbrio contratual necessário, evita-se que tais contratos se transformem em verdadeiros grilhões de ferro aprisionadores da liberdade dos artistas e que podem comprometer a própria sustentabilidade de suas carreiras.

 

Daniela Colla é advogada especializada em Propriedade Intelectual e Direito Eletrônico e integrante do escritório Di Blasi, Parente & Advogados Associados.  Tem atuação especificamente voltada para os ramos de Direito Autoral e Direito do Entretenimento.

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