Por: Vanessa Oliveira da Silva
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) iniciou, em 13 de abril de 2021, consulta pública acerca do exame de pedidos de registro das chamadas MARCAS DE POSIÇÃO.
A intenção do Instituto é ouvir a sociedade para implementar um antigo e constante pleito daqueles que, na prática, já utilizam as marcas de posição há anos (como mais uma forma de identificar a origem de seus produtos), mas não possuíam um meio específico de proteção.
Para tanto, o INPI disponibilizou, para avaliação e comentários[1], a minuta do Ato Normativo que disporá sobre a registrabilidade das “marcas de posição”, bem como a minuta das respectivas Diretrizes de Exame, que estabelecerão as regras de exame de registrabilidade para essa modalidade de marca.
Mas, afinal, o que são as Marcas de Posição?
Antes de responder a essa pergunta, vale abordar, de forma sucinta e simplificada, o que é marca e como ela é protegida na legislação pátria.
Muito embora não haja uma definição unânime para o que é marca, em termos gerais, a doutrina pátria costuma defini-la como todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e serviços, para identificá-los e diferenciá-los[2].
Já o legislador nacional optou, no art. 122 da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), por conferir proteção apenas aos sinais visualmente perceptíveis, deixando de fora outros sinais distintivos, que a doutrina brasileira passou a chamar de “marcas não tradicionais”, tais como as marcas sonoras, olfativas, em movimento, e o trade dress, por exemplo.
Baseado na definição legal, o INPI, entende que marca é um sinal distintivo cujas funções principais são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa, sendo passível de registro todos os sinais distintivos visualmente perceptíveis[3].
Durante muito tempo, o Instituto interpretou de forma bastante restritiva a expressão legal “sinais distintivos visualmente perceptíveis”, dividindo as marcas, conforme suas formas de apresentação, em: nominativas, mistas, figurativas e tridimensionais, sendo estas a única marca não tradicional aceita pelo INPI até os dias atuais.
Com isso, as marcas de posição eram tidas como marcas não tradicionais, sem se enquadrarem nas formas de apresentação propostas pelo INPI.
No entanto, a consulta pública iniciada no mês passado, demonstra uma forte tendência do Instituto, há muito tempo esperada pelos titulares de marcas e pelos militantes da área, em expandir o conceito de “sinais distintivos visualmente perceptíveis” para abarcar os novos sinais, que se espera que não finde nas marcas de posição.
Com isso em mente, pode-se dizer que, em uma linguagem bem simples, as marcas de posição nada mais são do que uma marca aposta sempre no mesmo local em determinado produto[4], sendo essa posição capaz de identificar sua origem, bem como de distingui-lo de outros idênticos, semelhantes ou afins.
Em termos técnicos, segundo Kone Prieto Furtunato Cesário[5], citando Stefano Sandri e Sergio Rizzo: the position mark is specified by the position in which it is attached to a particular product. In practice, therefore, it would constitute a particular type of three-dimensional shape.
Importante destacar que as marcas de posição são comumente utilizadas no chamado mundo da moda, apesar de não estarem vinculadas somente a esse segmento de mercado, valendo mencionar os casos emblemáticos do bolso traseiro da calça Levis Strauss e do tênis New Balance[6], que só obtiveram proteção como marca de posição, após decisões judiciais de processos iniciados nas décadas de 1980 e 1990, o que demonstra o quanto o INPI está atrasado no assunto[7]:
Além dessas, vale citar também o solado vermelho dos sapatos da Louboutin, que talvez seja a marca de posição mais conhecida pela doutrina[8]:
Importante, ainda, mencionar que a marca de posição, como marca que é, também estará sujeita à todas as proibições constantes no art. 124 da LPI, que define o que não pode ser registrado como marca, como bem destaca o item 21 da minuta das Diretrizes de Exame das Marcas de Posição.
Em outras palavras, além de cumprir com os requisitos exigidos pelo INPI, que serão abordados abaixo, e de ser um sinal visualmente perceptível, a marca de posição também não poderá, por exemplo, reproduzir marcas ou nome empresarial de terceiros, nem ser uma expressão de propaganda ou guardar relação direta com os produtos / serviços reivindicados.
PROPOSTA DO INPI PARA AS MARCAS DE POSIÇÃO.
Segundo a proposta do Instituto levada à consulta pública, serão registráveis como marca de posição “o conjunto inerentemente distintivo formado pela aplicação de um sinal em uma posição singular, específica e invariável de um determinado objeto suporte, capaz de identificar a origem empresarial e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins[9] ”.
Na minuta das Diretrizes de Exame das Marcas de Posição, o INPI também propõe que: o sinal aplicado ao objeto suporte pode ser composto por: palavras, letras, algarismos, ideogramas, símbolos, desenhos, imagens, figuras, cores, padrões, formas ou a combinação destes[10].
A título exemplificativo, no aludido documento o INPI elenca alguns casos do que seria ou não registrável como marca de posição[11]:
- Registrável, pois o cabo da cafeteira não é normalmente utilizado para inserir uma marca.
- Irregistrável, pois apesar do cabo da cafeteira não ser normalmente utilizado para inserir uma marca, letra isolada não é passível de registro.
- Irregistrável, pois o sinal da forma como foi aposto já é frequentemente utilizada no mercado.
- Irregistrável, pois as indicações de mais de um local não torna possível identificar a posição específica e invariável do sinal.
Não obstante a redação proposta pelo Instituto seja passível de críticas, e a consulta pública foi o meio escolhido pelo INPI para ouvir tais críticas, já é possível ter uma noção do que será exigido dos titulares para a obtenção do registro de uma marca de posição, a saber:
(i) o sinal não pode se enquadrar nas proibições contidas nos art. 122 e 124 da LPI;
(ii) a indicação da marca no objeto suporte deve ser singular, específica e invariável;
(iii) a posição escolhida não pode ser convencional e frequentemente utilizada no mercado;
(iv) o sinal deve ser reconhecido como marca pelo público consumidor, além de ser capaz de distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.
Um ponto positivo da minuta das Diretrizes de Exame das Marcas de Posição é seu item 22[12], que, em nome dos Princípios constitucionais da eficiência e da celeridade processual, retroage a eficácia das normas ali contidas para permitir sua aplicação àqueles que possuem pedidos de registro que se enquadrem nos requisitos acima e ainda estejam pendentes de exame pelo INPI.
BENEFÍCIOS DO RECONHECIMENTO DAS MARCAS DE POSIÇÃO
Posicionar uma marca em determinado local do produto tem o claro intuito de individualizar ainda mais este produto, o que certamente chamará muito mais a atenção do público consumidor.
Dentro desse cenário, as marcas de posição são realidade nas relações comerciais, visto que vêm sendo usadas há bastante tempo, apesar de não terem uma proteção específica no Brasil.
A iniciativa do INPI em fornecer proteção específica para as marcas de posição vai ao encontro dos anseios sociais, pois conferirá maior segurança jurídica aos respectivos titulares, que terão mais um mecanismo para defender seus direitos contra eventuais contrafatores.
Imagine, por exemplo, o titular de uma marca de posição que tenha sua marca copiada indevidamente. No curso do processo de abstenção de uso, esse titular terá muito mais facilidade em provar a contrafação, uma vez que no próprio certificado de registro constará a posição daquela marca no produto.
Ainda, essa clareza acerca dos limites da proteção poderá gerar até a supressão de eventual perícia judicial, o que tornará as demandas judiciais mais céleres e menos custosas. A depender do caso concreto, uma simples comparação dos produtos será suficiente para fornecer ao magistrado elementos para formação da sua convicção sobre a contrafação.
[1] Comentários e sugestões acerca do tema poderão ser enviados ao INPI, por meio de formulários próprios disponíveis no site do Instituto, até 12 de maio de 2021. https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/marcas/consulta-publica
[2] OLIVEIRA; Mauricio Lopes de. DIREITO DE MARCAS. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. pag. 1.
[3] Manual de Marcas, Diretoria de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas, INPI. 3ª Edição. 4ª Revisão – jan/2021, pag. 17.
[4] As Diretrizes do INPI permitirão marcas de posição para identificar serviços, no entanto, optou-se por mencionar somente as marcas de produtos, para facilitar o entendimento das marcas de posição.
[5] https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/19359/2/Kone%20Prieto%20Furtunato%20Ces%C3%A1rio.pdf pag. 78, acessado em 04 de maio de 2021. Tradução da Autora: a marca de posição é especificada pela posição na qual ela está ligada a um determinado produto. Na prática, por conseguinte, constituiria um tipo particular de forma tridimensional.
[6] Registros n° 790053853 e 815547480, respectivamente.
[7] Os Estados Unidos e a Comunidade Europeia já aceitam as marcas de posição há mais de 20 anos.
[8] Pedido de registro n° 901514225, que se encontra pendente de decisão do INPI.
[9] https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/marcas/arquivos/consulta_publica/MinutaPortariaMarcasdeposioConsultapblica.pdf acessado em 04 de maio de 2021.
[10] https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/marcas/arquivos/consulta_publica/MinutaNotaTcnicaCPAPDMarcasdeposioConsultapblica.pdf acessado em 04 de maio de 2021.
[11] https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/marcas/arquivos/consulta_publica/MinutaPortariaMarcasdeposioConsultapblica.pdf acessado em 04 de maio de 2021.
[12] 22. O disposto nesta Nota Técnica se aplica aos pedidos protocolados antes da sua publicação, que estejam pendentes de exame pelo INPI e que se enquadrem como marca de posição.