O QUE SÃO INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS?
Desenvolvida ao longo da história, a proteção legal das Indicações Geográficas (IGs) surgiu a partir da ideia de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinadas regiões geográficas.
De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), “uma indicação geográfica é um sinal usado em produtos que possuem uma origem geográfica específica e possuem qualidades ou uma reputação que são devidas única e exclusivamente a essa origem”¹ . O seu registro delimita uma determinada área geográfica e restringe o uso do nome registrado aos produtores e prestadores de serviços daquela região2.
Portanto, as IGs agregam valor ao produto, projetando uma imagem associada à qualidade, reputação e identidade, o que permite estabelecer um diferencial competitivo frente aos concorrentes nacionais e internacionais, além de possibilitar a promoção turística e cultural da região3.
No Brasil, as IGs são reguladas pela Lei n° 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI). De acordo com Patricia Carvalho da Rocha Porto (apud Indicações geográficas no Mercosul, 1995, pág. 25), a legislação interna não definiu o que seja indicação geográfica, só estabeleceu que ela é um gênero que abrange duas espécies: a denominação de origem e a indicação de procedência3. O reconhecimento de uma IG deve ser feito por meio de um procedimento administrativo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
De uma forma bem simples, pode-se diferenciar essas espécies com base no seguinte: enquanto na indicação de procedência exige-se que determinado local tenha se tornado conhecido por determinada atividade (ex.: Canastra em Minas Gerais, conhecida pela fabricação de queijos), na denominação de origem, as qualidades ou características se devem exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (ex.: Porto em Portugal, conhecida pela fabricação de vinhos), nos termos dos artigos 177 e 178, LPI.
Recentemente, por meio da Portaria n° 46/2021, publicada em 19 de outubro de 2021, o INPI instituiu selos brasileiros de IGs. De acordo com a Portaria, que entra em vigor no dia 1º de novembro, haverá um selo para cada uma das modalidades de IG4, sendo seu uso gratuito, facultativo e restrito aos produtores e prestadores de serviço da respectiva região.
A finalidade dos selos é criar uma identidade nacional para os produtos e serviços registrados como IG, facilitando, assim, a identificação por parte dos consumidores.
REQUISITOS PARA SOLICITAR UMA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA NO BRASIL
Podem requerer um registro de IG no Brasil: o substituto processual, o único produtor ou prestador do serviço, ou o requerente estrangeiro de uma IG já reconhecida no exterior.
Em regra, o pedido de registro de uma IG deve sempre ser requerido pelo substituto processual, i.e., uma entidade representativa da coletividade legitimada. Este, portanto, atua como um intermediário entre o INPI e os produtores ou prestadores de serviço. Temos como exemplos de substitutos processuais as associações, sindicatos, federações, confederações ou qualquer outra entidade representativa da coletividade5.
Apesar da regra acima apontada, o §3º do art. 5º da Instrução Normativa nº 95/18 dispõe que o único produtor ou prestador de serviço existente em uma região, na qual se tenha legitimidade ao uso de determinado sinal, também poderá requerer o seu registro. No entanto, caso posteriormente venham a surgir novos produtores ou prestadores de serviços, será necessário constituir uma entidade representativa.
Por fim, também poderá requerer IG no Brasil titular estrangeiro que seja titular de IG já reconhecida no seu país de origem ou por entidades internacionais competentes. Nesses casos, o requerente não necessita preencher os requisitos exigidos aos requerentes nacionais, uma vez que já foi considerado legítimo.
Importante frisar que a proteção conferida às IGs não será possível em casos de termos de uso comum, tais como “queijo minas”, que, embora originário do estado de Minas Gerais, é produzido em qualquer lugar do Brasil6; ou, ainda, de termos suscetíveis de causar confusão, que reproduzam, imitem ou se constituam por:
“i) nome geográfico ou seu gentílico que houver se tornado de uso comum, designando produto ou serviço;
ii) nome de variedade vegetal, cultivada ou não, que esteja registrada como cultivar, ou que seja de uso corrente ou existente no território brasileiro na data do pedido;
iii) nome de raça animal que seja de uso corrente ou existente no território brasileiro na data do pedido;
iv) homônimo à Indicação Geográfica já registrada no Brasil para assinalar produto ou serviço idêntico ou afim, salvo quando houver diferenciação substancial no signo distintivo”. (art. 4º da Instrução Normativa nº 95/18)7.
OS BENEFÍCIOS DAS IGs APLICADAS AO AGRONEGÓCIO
Considerando as características das IGs acima mencionadas, fica clara a estreita conexão entre esses institutos e o agronegócio, que corresponde ao conjunto de atividades produtivas e econômicas conectadas à produção agrícola e seu comércio.
Atualmente, no Brasil, o agronegócio se tornou um dos pilares da economia, principalmente considerando o cenário pandêmico do país. Apenas em 2020, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o agronegócio preencheu 26,6% do PIB total do ano8. Ainda de acordo com dados da CNA, também apenas em 2020, o agronegócio brasileiro registrou a abertura de mais de 61 mil vagas de trabalho9.
Portanto, inquestionável a grande importância do investimento no setor agro, o qual não apenas auxilia na promoção de sustentabilidade, como é essencial para o desenvolvimento econômico do país.
Nesse sentido, cada vez mais vem sendo notada como estratégia mercadológica a utilização de IGs. Como anteriormente apontado, as IGs facilitam a agregação de valor ao produto ou serviço prestado, e, portanto, na hipótese de maior reputação e qualidade aliados aos produtos ou serviços, maior a sua comercialização e rentabilidade.
De um total de 67 IGs atualmente existentes no país, 51 estão no agronegócio, o que corresponde a 76% do total10. Existem IGs de regiões produtoras de vinho, café, cacau, queijo, aguardente de cana, dentre outras.
Um exemplo de IG brasileira que muito agregou valor à região e ao produto foi a “Microrregião de Abaíra”, registrada como Indicação de Procedência11, que protege a “aguardente de cana do tipo cachaça”.
A produção desta cachaça possui uma tradição de mais de 450 anos. Não há um consenso sobre o início da sua produção, mas tem-se registrado que foi na década de 1980 que pequenos produtores iniciaram um trabalho de beneficiamento e qualidade do produto. Atualmente, a cachaça produzida na microrregião de Abaíra está entre as melhores do Brasil, o que favoreceu a economia regional da Chapada Diamantina, que é baseada no turismo e na agricultura, com destaque para a produção desta famosa cachaça artesanal12.
Assim, a IG favoreceu: (i) a promoção do trabalho coletivo e a integração de produtores de cidades distintas – i.e, das cidades que formam o território da microrregião de Abaíra: Abaíra, Jussiape, Mucugê e Piatã; (ii) o desenvolvimento e sobrevivência da produção de uma cachaça de qualidade; (iii) a difusão e comercialização do produto; e, (iv) o incentivo ao turismo regional.
Inquestionável, portanto, os diversos benefícios que as IGs podem proporcionar, principalmente para o segmento do agronegócio, no qual as IGs possuem um papel chave de estimular economias familiares, diferenciar o produto objeto da IG e ainda fomentar o turismo regional.
1WIPO. Geographical Indications. Tradução livre do trecho “a geographical indication (GI) is a sign used on products that have a specific geographical origin and possess qualities or a reputation that are due to that origin”. Disponível em: https://www.wipo.int/geo_indications/en/. Acesso em 12.10.2021.
2SEBRAE, INPI. INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS BRASILEIRAS. 2016, p.20. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/arquivos/livro_indicacoes_geograficas_brasileiras.pdf. Acesso em 12.10.2021.
3Porto, Patricia Carvalho da Rocha. Quando a propriedade industrial representa qualidade: marcas coletivas, marcas de certificação e denominações de origem / Elaine Ribeiro Prado. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. pag. 153
5INPI. Manual de IG. Fev, 2021. Disponível em: https://manualdeig.inpi.gov.br/projects/manual-de-indicacoes-geograficas/wiki/06_Requerentes_e_usu%C3%A1rios_do_registro#61-Requerente-do-registro. Acesso em 12.10.2021.
6INPI. Manual de IG. Fev, 2021. Disponível em https://manualdeig.inpi.gov.br/projects/manual-de-indicacoes-geograficas/wiki/05_Termos_n%C3%A3o_suscet%C3%ADveis_de_registro_como_indica%C3%A7%C3%A3o_geogr%C3%A1fica. Acesso em 12.10.2021.
7Disponível em: https://manualdeig.inpi.gov.br/projects/manual-de-indicacoes-geograficas/wiki/Refer%C3%AAncias#Instru%C3%A7%C3%B5es-normativas. Acesso em 14.10.2021.
8CNA. Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/boletins/pib-do-agronegocio-alcanca-participacao-de-26-6-no-pib-brasileiro-em-2020. Acesso em 14.10.2021.
9UOL. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/02/03/geracao-de-emprego-no-agronegocio-tem-melhor-resultado-em-10-anos-diz-cna.htm. Acesso em 13.10.2021.
10Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2020/03/pequenos-negocios-sao-maioria-entre-indicacoes-geograficas-brasileiras.html. Acesso em 14.10.2021.
11Registro nº BR402012000001-2.
12SEBRAE, INPI. INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS BRASILEIRAS. 2016, p.111. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/arquivos/livro_indicacoes_geograficas_brasileiras.pdf. Acesso em 12.10.2021
Escrito por:
Luiza Alkaim – advogada especializada em Propriedade Industrial, com foco em direito marcário, integrante do escritório Di Blasi, Parente & Associados no Rio de Janeiro.
Vanessa Oliveira – advogada especializada em Propriedade Intelectual, integrante do escritório Di Blasi, Parente & Associados no Rio de Janeiro.