Notícia

Franquias em shopping o desafio da retomada

Por: Gabriel Di Blasi

Sócio Fundador do escritório Di Blasi, Parente & Associados

É inquestionável que a pandemia causada pelo COVID-19 influenciou e permanecerá influenciando todas as relações humanas, inclusive as comerciais. Sem sombra de dúvidas, diante das inúmeras restrições impostas pelos governantes desde o início, com o intuito de evitar ao máximo a propagação do vírus, os centros comer- ciais, como os shopping centers, se viram em uma situação completamente atípica, em que foram obrigados a fechar as portas por um certo período de tempo e se reinventar para sobreviver.

Ainda, a incerteza vivida perante os desencontros legislativos municipais, estaduais e federais sobre funcionamento dos estabelecimentos precisou ser definida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, através de Ação Direta de In- constitucionalidade nº 6343, ficando definido

que estados e municípios podem adotar medi- das de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência, no âmbito de suas competências e em seu território, sem necessidade de autorização do Ministério da Saúde para decretação de isolamento, quarentena e outras providências.

Tais ações resultaram em um cenário necessário pelo momento vivenciado, mas preocupante economicamente. As franquias, que anterior- mente representavam 2,5% do PIB e preenchiam 40% do total de lojas satélites e de praças de alimentação em shopping centers, chegaram a ver seus números caírem em até quase 50% no mês de abril, segundo dados levantados em parceria pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) e a empresa de pesquisas AGP1.

Com a retomada das atividades, que ocorreu de forma gradual desde meados de maio em diversas regiões do país, foi necessária uma série de cuidados para a construção de um novo ambiente seguro e devidamente preparado, exigi- dos em prol da saúde tanto dos consumidores quanto dos trabalhadores.

Novas rotinas de trabalho foram implementadas, como o uso de máscaras, higienização pessoal e de ambiente constante, mudança e redução de horários, com escalas, visando reduzir ao máxi- mo o número de pessoas circulando, e, portanto, aglomeradas, dentre outras medidas.

Neste cenário, é fundamental buscar compre- ender como evoluiu e se manteve a relação en- tre os franqueadores, franqueados e os sho- pping centers. Desde o princípio, a Associação Brasileira de Franchising (ABF) apresentou um conjunto de propostas à Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), visando a manutenção da operação das lojas. Como já ressaltou o presidente da ABF, André Friedheim, os movimentos de digitalização das marcas não são suficientes para conter os da- nos causados pela crise imposta pelo corona- vírus, apesar de representarem um fator importante nesta reestruturação. Alguns dos pontos apontados pela ABF nesta proposta foram: (i) cobrança de aluguel com base em faturamento efetivo, até o fim de 2020cobrança de aluguel mínimo em 2021; (iii) não cobrança do 13º aluguel nos anos de 2020 e 2021; (iv) ausência de multa em caso de rescisão dos contratos de locação das unidades franqueadas, até dezembro de 2020; dentre outras sugestões que não prejudiquem ambas as partes. A ABRASCE informou que as negociações entre lojistas e empreendimentos estão acontecendo conforme cada caso específico.

Ainda, segundo o diretor da ABF, Fernando Tardioli, o cenário atual aproximou ainda mais franqueadores e franqueados, estimulando o diálogo entre as partes, em busca da melhor solução aplicável a cada caso2. As franqueadoras se mostraram presentes atuando em diversas frentes, em prol de fornecer auxílio a seus franqueados, como isenção ou suspensão dos royalties, criação de comitês de crise com o intuito de buscar soluções em conjunto, maiores prazos para pagamento de produtos e auxílio dos franqueados na busca de crédito.

Outros pontos recomendáveis em tais negociações são: (i) a fixação de novo aluguel mínimo com base nos valores pagos em 2021; (ii) isenção de taxas de transferência no ano de 2020 para operações de franquias em caso de repasses; (iii) compromisso entre locadores e locatários de não ajuizamento de ações de despejo e revisionais, respectivamente.

Por óbvio, nem todas as negociações amigáveis são frutíferas, e muitas vezes se tornam ações judiciais. Diversas ações coletivas e revisionais de aluguel foram ajuizadas em face de administradoras de shoppings centers por todo o país, requerendo a suspensão ou ao menos o abati- mento de valores em relação ao tempo em que os estabelecimentos permaneceram fechados.

Diante de tais impasses, coube ao judiciário sopesar entre o princípio do pacta sunt servanda, ou seja, a observância dos termos estabelecidos previamente em contrato e da cláusula rebus sic stantibus, que representa a chama- da Teoria da Imprevisão, acolhida pelo Código Civil nos artigos 317 e 478 a 480, devendo ser aplicada, dentre outros motivos, diante da existência de fato superveniente, extraordinário e imprevisível, como é o caso da pandemia de COVID19 e a resposta do governo e da sociedade no seu enfrentamento.

A jurisprudência dominante é no sentido de sus- pender o pagamento de valores como de fundo de promoção e propaganda no prazo de duração das medidas de suspensão de atividades, bem como a aplicação de descontos diversos sobre o valor do aluguel. Entretanto, a jurisprudência também vem se formando no sentido de não afastar o pagamento do valor do condomínio, uma vez que este diz respeito às despesas com terceiros de boa-fé. A ideia principal é a de manutenção do contrato e de continuidade da empresa, sem impor, entretanto, ônus excessivo a nenhuma das partes, ainda mais em uma situação atípica e inesperada, que trouxe impacto negativos para todos.

Segundo dados da ABRASCE, até o dia 06 de agosto, 543 empreendimentos já haviam retomado as suas atividades, equivalendo a 93% do total3. As administradoras de shoppings tomaram diversas medidas para a reabertura, como o uso obrigatório de máscaras, dispensers com álcool em gel em diversos pontos, distancia- mento superior à 2 metros entre pessoas, higienização constante das áreas, avaliação de temperatura corporal de quem ingressar no shopping, dentre outras. Mas somente estas medi- das exigidas pelo poder público ainda não são suficientes para recuperar o tempo perdido e a economia dos varejistas, que sofreu enorme queda nos últimos meses.

Desta forma, fica nítido que cada vez mais se faz necessária a utilização de tecnologias e ferramentas digitais que não se limitem ao e-commerce, como por exemplo a possibilidade de uma ferramenta digital integrada com todos os serviços oferecidos pelo shopping, evitando a necessidade de o consumidor ter que interagir fisicamente. As alternativas de operações sem contato devem ser não só estudadas como implementadas no seu máximo possível, como a maior utilização do omnichanell, que é a aplicação integrada de diversos canais de venda existentes na operação, como e-commerce, delivery, drive-thru etc, sempre buscando proporcionar ao consumidor a mesma experiência positiva, independentemente do canal de venda utilizado e da ausência de contato.

É claro para todos nós que nada será mais como antes. Teremos que lidar com o chamado “novo normal”. Neste cenário, o pensamento do historiador Leandro Karnal se prova verdadeiro, ao afirmar, em palestra proferida em 2017, que a cri- se separa o amador do profissional. E este é o momento da reinvenção e ressignificação do que é um shopping center, recuperando a cada dia a confiança do consumidor.

Sem sombra de dúvidas, o franchising ganha ainda mais importância nesse novo normal, afinal os shoppings são feitos de setores diversos, como gastronomia, saúde, entretenimento e consumo. Sabemos que a maior parte das em- presas que fornecem esse tipo de serviço são franquias, como academias de ginástica, restaurantes, lojas etc. Por isso, a importância de não só os shoppings estarem prontos para a nova realidade que está por vir, mas também os franqueadores e franqueados.

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