Notícia

Entrevista com Valter Pieracciani

Nesta edição, trouxemos Valter Pieraccia- ni, empresário, pesquisador, escritor e um dos pioneiros em Gestão da Inovação, para falar sobre as consequências para a inovação em tempos de pandemia.

Com sua expertise de mais de 28 anos à frente da Pieracciani, Valter ainda comenta sobre o panora- ma da gestão da inovação no Brasil, traça para- lelos entre sua trajetória pessoal e profissional e nos dá uma prévia do seu novo livro “Império da Inovação”. Confira a entrevista exclusiva a seguir.

DBPA: Vamos falar sobre a relação que você vi- sualiza entre inovação e pandemia. Quais são as possíveis consequências para a inovação, con- siderando o cenário atual mundial e brasileiro, na sua opinião?

Valter: A questão da pandemia acelerou a transformação digital. A gente chegaria ao que chegou hoje daqui a 10 anos. Tem um lado bom de tudo isso que pode impactar na nossa qualidade de vida no futuro. Por um lado, mudamos para o “phygital”, que é o físico + o digital, e nunca mais voltaremos ao que era tempos atrás. A gente tem a sensação de que, mesmo com a vacina, segui- remos boa parte da vida olhando para o computador por exemplo, toda a parte de educação e de preparação dos trabalhos.

Por outro lado, nós nunca tivemos tão dependentes e nunca torcemos tanto para os cientistas e inova- dores na história da humanidade. Essa turma que está mergulhada no microscópio, vendo e quebrando o vírus em pedacinhos para tentar criar anticorpos, a turma que construiu dispositivos para proteção, desde simples máscaras até aspiradores.

Também houve um movimento de reconversão produtiva, que é quando uma empresa deixa de fazer seu produto de mercado e passa a fazer, por exemplo, respiradores com os mesmos re- cursos disponíveis. Então, isso cria uma dimen- são de uberização de parques industriais. Co- meça a ter não mais fábricas e sim uma visão de processo mais apurada.

São esses três grandes blocos: uma aceleração do “phygital”, uma importância da ciência e da inovação e a questão da reconversão produtiva. Tudo isso impacta diretamente em propriedade intelectual, seja pela vulnerabilidade que se cria estamos tratando assuntos estratégicos e possivelmente passíveis de proteção em plataformas digitais, nas descobertas da ciência e no trânsito de conhecimentos que precisam ser protegidos durante a reconversão produtiva.

DBPA: Valter, falando um pouco sobre a sua vida, você nasceu na Itália e veio para o Brasil com 5 anos. Acredito que a sua trajetória pes- soal foi um tanto inovadora, então como você acha que a sua trajetória pessoal impactou na sua vida profissional?

Valter: Quando nós somos pequenos – até os 14, 15 anos – é que formamos a nossa personalidade, nosso caráter. Eu acredito muito que é nessa idade que a gente expande a nossa capacidade de inovar e a nossa adaptabilidade. Quem cresce em bolha até os 15 anos será certamente menos maleável, menos inovador do que quem trocou de cidade 10 vezes como eu, por exemplo. O ponto chave é que, por acreditar nisso, fizemos o primeiro livro infantil da américa latina sobre inovação. Fizemos um livro para professores, pais e crianças de até 12 anos porque a gente acredita que o potencial inovador está nas crianças, mas que o sistema tolhe isso. Maslow dizia que o camarada criativo não é o cara que você adicionou alguma coisa e sim aquele que você não tirou nada.

Então, sobre a minha história, meu pai era operário quando a minha mãe ficou grávida do terceiro filho – eu tenho dois irmãos mais velhos. Meu pai se tocou de que o salário dele de operário não iria dar conta de mais um filho e então pediu uma ajuda na fábrica que ele trabalhava, que era a Pirelli. Ele disse “olha, quando tiver qual- quer coisa em qualquer lugar do mundo que vocês possam me dar uma oportunidade para ganhar um pouco mais, eu topo”. Foi quando, em 1962, a Pirelli abriu uma fábrica aqui em Santo André. Meu pai era operário, mas era um bom operário, e o chamaram para trabalhar na fábrica do Brasil. Então aí começou a minha jornada de chegar no porto de Santos e ir morar em Santo André. Meu pai foi promovido de encarregado a supervisor e nos mudamos para Campinas. De- pois, de Campinas, meu pai virou gerente e voltamos para São Paulo. Nesse ritmo de mudanças, eu me formei e fui morar na Itália. Vim para o Brasil 1 ano depois porque o meu pai ficou do- ente, mas depois trabalhei mais 4 anos fora do Brasil: na Itália, na Turquia e na Alemanha. Isso faz a gente abrir a cabeça e é importante aprender novas culturas, ver como a inovação acontece, naturalmente ou não.

Como eu tenho também uma origem em P&D – sou originalmente engenheiro –– , tudo isso me trouxe o sonho de fazer as empresas do Brasil mais inovadoras. E aí a gente abriu, em 92, a primeira empresa brasileira de gestão da inovação. Olhavam pra gente como se fôssemos ETs e nos perguntavam o que estávamos fazendo. De lá pra cá, são 29 anos trabalhando e transformando empresas comuns em empresas inovadoras, que inovam sistematicamente, naturalmente, repetidamente.

DBPA: Seguindo nisso que acabou de dizer, de transformar empresas para inovação, como você vê a importância das agências de fomento brasileiras, como a FINEP, o BNDES, os bancos regionais? Como você vê esses atores no ecos- sistema de inovação?

Valter: Não tem país inovador que não tenha uma malha de fomento funcionando – e funcionando bem. Nós não temos a malha que merecemos porque somos um país em desenvolvimento. Como a nossa malha é muito inspirada na francesa e americana, eles estão em outro estágio da inovação, mas ela funciona bem.

O número de empresas que usam esses recursos tem crescido de forma galopante ano a ano, mas ainda está muito longe do ideal. Veja só, nós temos 140 mil empresas em lucro real. Poderíamos utilizar a Lei do Bem 11.196, que é a mais importante lei de incentivos fiscais à inovação. No entanto, pouco menos de 2.800 empresas a usam. Então tem um trabalho para ser feito, uma expansão de uso desses incentivos muito grande pela frente. E essa é a nossa missão também.

DBPA: Valter, você está lançando um novo livro, não é? Gostaria que você falasse um pouco sobre ele.

Valter: É o meu quarto livro e chama-se Império da Inovação, lançado um pouco antes da pandemia. É um livro onde eu e um amigo, que mora em Roma, pesquisamos, durante 3 anos, sobre a progressão dos romanos e como eles conseguiram ser a maior e mais admirada organização da humanidade. A gente foi olhar e viu que eles tinham princípios de gestão da inovação. Porque não basta ser inovador. Quando se sai do nível individual e vai para o organizacional, nós precisamos de gestão da informação. O inovador isolado, professor pardal, não assegura o desenvolvimento da sociedade. O que muda o mundo é o sistema, são as organizações se tornarem inovadoras.

Roma, 2.500 anos atrás, desenvolveu os aquedutos e levou água com canaletas, de levíssimas inclinações, suficientes para a água correr doce- mente e chegar a um vilarejo há 20kg, de forma empírica. Eles fizeram malhas de estradas para levar alimentos. Os esgotos de Roma são usados até hoje, sendo o mesmo sistema de 2 mil anos atrás. Isso não era mágica, era um esforço sistemático, disciplinado. São sete princípios consolidados dos romanos e nós escrevemos isso no livro, usando casos reais de empresas nacionais que utilizam essas lições.

Temos um caso do Bradesco que usa a lição número 1 dos romanos, que é: integre conhecimentos e fortaleça a cultura para a inovação. Quando os romanos chegavam aos vilarejos, eles não impunham a cultura romana e sim absorviam conhecimentos dos vilarejos para se tornarem melhores em cerâmica, marcenaria, ferro, armas, agricultura, etc. Então, integrar conhecimentos e ter uma cultura aberta para a inovação foi uma das grandes lições.

Roma sabia que pela inovação eles iriam liderar o planeta porque a inovação fascina. Então, eles tinham uma estratégia clara e essa é a lição número 2. No livro, nós falamos também sobre uma empresa brasileira chamada Corpflex, que foi uma pequena organização brasileira que cresceu muito em 10 anos.

O terceiro ponto é o senso de pertencimento, que muitas empresas ainda precisam aprender. Só o fato do soldado pertencer ao exército romano fazia ele caminhar 40km porque aquilo ali era a força dele. A insígnia de Roma simbolizava todo o orgulho e a força de fazer parte de Roma. Receber o título de cidadão romano era como ganhar na loteria.

A quarta lição é a crença e o investimento na capacitação das pessoas para inovar. O exército romano trabalhava incansavelmente. Existia toda uma capacitação na parte de batalha, de luta, de armas, técnicas romanas, nas questões novas que aprendiam nos vilarejos. No livro, falamos da Embraer, que tem esse movimento de capacitação.

A quinta lição é a melhoria contínua. Os romanos evoluíam permanentemente suas armas, capacetes, armaduras e técnicas de guerra. A sexta lição vem do modelo uniforme em todas as províncias dos romanos. Aí fica muito clara a importância que eles davam para o modelo de gestão. A questão aqui é repensar o modelo de gestão para inovação, para permitir que a inovação ganhe oxigênio. A última lição é trabalhar obsessivamente pela vitória. Os romanos podiam perder uma batalha, mas perseveravam, marchavam, se- guiam investindo. Eles tinham uma obsessão por vencer e sobreviver. Esse é um pouco o panorama do livro.

DBPA: Voltando ao seu comentário sobre a pan- demia e a inovação, vemos um investimento e uma tensão da sociedade civil em relação à ci- ência e ao desenvolvimento científico e tecno- lógico. Temos pessoas torcendo, investigando e estudando saídas para a situação pandêmica, mas temos também movimentos apoiados em fake news e desinformação contra vacina, iso- lamento social, entre outros. Como você pensa que nós, sociedade mundial, podemos enfrentar os riscos da desinformação?

Valter: Tem um pedaço do ciclo da inovação que é a parte do desenvolvimento e aplicação da solução que acontece em todas as inovação. Eu acredito que estamos vivendo esse momento, então como tudo é muito novo, eu acho que estamos todos aprendendo. Neste momento, dizer que o que foi descoberto é positivo ou negativo é algo leviano porque nós estamos desenvolvendo ainda. A ciência tem teste, exame, processo e estamos nessa lacuna. Por isso está havendo essa polêmica. Nós estamos numa fase onde não podemos afirmar categoricamente que temos uma solução e nem que a solução não funciona ou que faça mal. É um momento de aprendizado que, creio eu, deve demorar uns 3 meses a 1 ano ainda. A melhor coisa a fazer durante esse período é o silêncio. Nós estamos aguardando e os cientistas estão trabalhando dia e noite.

DBPA: Segundo Silvio Meira, cientista chefe da The Digital Strategy Company e fundador do Porto Digital, principais hubs de transformação brasileiros, somente 12% dos americanos com- pravam online, sendo que, durante a pandemia chegou aos 42%. Em relação ao home office, apenas 5% da população trabalhava de casa, pulando para 23% em 2020. O mais surpreendente é que 80% afirmaram que manterão isso quan- do a pandemia acabar. Você acredita que esses comportamentos se perpetuarão?

Valter: Sim, se perpetuarão. Foi o que falamos sobre a aceleração do phygital. Algo que demoraria muito tempo para acontecer foi forçado, acelerado e não há porque não continuar isso. As compras online explodiram e as pessoas começaram a trabalhar mais em home office. Eu acho que devemos abraçar isso como oportunidade de melhoria de qualidade de vida, como uma oportunidade de não perder o nosso valioso tempo no trânsito. Nós mesmos estamos trocando um escritório de 250 metros por um

escritório de 100 metros, com uma finalidade completamente diferente de permitir gravação de filmes e reunião de pessoas eventualmente. Trabalhar fisicamente, do jeito que estávamos, não devemos voltar nunca mais, isso de acordar 6h da manhã e pegar 1h30 de trânsito, esse tempo perdido. Aliás, se olharmos hoje em dia para aquilo, vamos pensar “nossa, como éramos bobos de gastar esse tempo todo. Poderíamos ter evitado.” Mas precisamos acreditar e experimentar. A inovação tem um pouco disso e quando ela é muito radical, pra fazer acontecer, normalmente, é preciso engajar as equipes. E a melhor forma de engajar as equipes é quando você não tem alternativa.

DBPA: Essa pergunta complementa uma outra questão. Muita gente tinha medo do home of- fice e a pandemia forçou a inovação. Até que ponto esse medo da inovação freia o desenvol- vimento? Você acredita que a gente vai preci- sar de grandes crises para a inovação se dar de forma acelerada ou será que vamos aprender algo com esse momento?

Valter: Eu tenho lido muito o que o Meira está falando e ele acha que a nossa capacidade, a nossa maleabilidade aumentou. E eu concordo com ele. Nós tivemos uma grande lição de aprender na carne, da pior maneira que existe, que é a força. E, a partir daqui, nós nunca mais seremos os mesmos. Assim como eu que, quando cheguei no Brasil, precisei me adaptar e aprender o português na escola pública, sem saber uma palavra sequer. Isso fez com que eu fosse mais maleável e aberto, por mais dolorida e difícil que a experiência tenha sido. Então, penso que são as mesmas proporções. Tivemos que passar por essas mudanças para sairmos mais maleáveis, adaptáveis e mais interessados em fazer diferente.

DBPA: As companhias terão que investir cada vez mais em pessoas inovadoras, com ou sem pandemia. Como fazer processos seletivos para encontrá-las.

Valter: A lição 4 de Roma que fala em capacitar para inovar, na verdade, fala em resgatar a criança que existe dentro de nós, que está adormecida. A criança é super sensível, adora arriscar, transformar, adora adrenalina e o adulto perdeu isso quando se formou. Então, para selecionar e capacitar pessoas inovadoras, é preciso um es- forço do líder, da liderança e também é preciso coragem para isso. Não é fácil. Eu fiz um trabalho recentemente numa organização no Nordeste e o presidente do conselho dizia que queria pessoas fora da caixa, jovens. A primeira entrevista foi para gerente de inovação, então chegou um menino novo, de trinta e poucos anos, e perguntou se poderia trabalhar de bermuda e se tinha lugar para tomar banho, pois ele iria de bicicleta para o trabalho. E ele colocou o presidente numa situação de desafio por- que aquilo na cabeça do presidente não era algo normal. Então é um reset, é um ajuste da forma como a gente via quem era bom para nós e quem não era. Nós não queremos mais robôs nas corporações, queremos jovens ativos, inovadores, que experimentam, acreditam e engajam. Não dá mais para o cara que só cumpre tabela.

E o desafio do líder aumentou porque não temos mais as ferramentas que tínhamos no presencial. Para engajar essa turma à distância é algo ainda mais desafiador porque precisamos de um objetivo muito atraente e uma capacidade de persuasão muito maior do que no físico. O líder está sendo desafiado, seja na forma de escolher, seja na forma de engajar dentro das corporações.

Nossas
Especialidades

Veja nossas principais áreas de atuação