Quem nunca, a minutos da reunião para começar ficou frustrado porque a “internet está ruim”? Quando a Lei de Murphy age e o sinal fica rodando por eternos dois ou cinco minutos, o suficiente para gerar ansiedade?
Pois é claro que isso aconteceu no dia marcado para conversar sobre 5G com a Doutora e Mestre pela Ludwig-Maximilians-Universität, Karin Grau-Kuntz, que é a Coordenadora Academica do IBPI – Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual e Associada Acadêmica de Würtenberger RA, em Munique, Alemanha.
Os brasileiros deverão ter acesso à tecnologia de quinta geração para redes móveis e de banda larga no próximo ano, com o leilão sendo realizado ainda em 2021. Na Europa, onde Karin reside, o 5G já é uma realidade e ela sentou para conversar com a Propriedade no Assunto a respeito.
O avanço da tecnologia mundial tem na implantação da rede de internet móvel de quinta geração, o 5G, como parte fundamental. Quando se fala de 5G, o que deveremos ter em mente?
Quando penso em 5G tenho em mente as seguintes categorias de usos: a Banda Larga Móvel Melhorada; Comunicações Ultra Confiáveis e de Baixa Latência e Internet das Coisas Maciça.
“Banda Larga Móvel Melhorada” significa para o usuário da rede móvel alta velocidade de transmissão de dados e maior capacidade da rede.
“Comunicações Ultra Confiáveis e de Baixa Latência” significa a possibilidade, para além da comunicação entre pessoas, de comunicação entre máquinas. Latência é o espaço de tempo entre enviar e receber um pacote de dados. Imagine a seguinte situação: você está dirigindo e de repente encontra um obstáculo à sua frente. O espaço de tempo entre registrar o obstáculo e reagir pisando no freio (em média 180 milissegundos) é chamado de latência. A baixa latência na rede 5G, de 1-2 milissegundo, permite a comunicação confiável entre máquinas em tempo real. Para oferecer um parâmetro adicional de comparação, na rede 4G a latência é significativamente maior em cerca de 15 a 80 milissegundos (a depender da distância entre aparelho e antena).
“Internet das Coisas Maciça” reporta a uma forma de comunicação onde os dispositivos (as “coisas” da internet das coisas) estão conectadas diretamente à internet, comunicando entre si sem ou com apenas mínima intervenção humana.
Tendo isto em conta, e lembrando que as tecnologias das gerações 2G até 4G estavam centradas em interconectar pessoas, o que se deve ter em mente quando se fala em 5G é a conexão entre pessoas e dispositivos e dispositivos entre si pela “fórmula” maior velocidade e capacidade de rede e menor latência.
Como esse tipo de tecnologia irá impactar na vidas das pessoas?
Há diversos exemplos. Entre os exemplos clássicos de possíveis operações conduzidas virtualmente, carros autónomos (que já existem) e realidade virtual acessível, pensando nas indústrias a tecnologia 5G permitirá, por exemplo, a conexão entre fábricas, o que facilitará o monitoramento dos processos de produção. Ainda, ela permite a interação de máquinas inteligentes, que operam sem intervenção humana, o que tem como resultado um aumento de produção e precisão. O monitoramento das máquinas permite prever defeitos, o que adotar reação preventiva e redução de custos.
Pensando no comércio, prateleiras inteligentes poderão controlar o prazo de validade dos produtos oferecidos aos consumidores; o uso de sensores de monitoramento poderão oferecer informações sobre a cadeia de produção e de transporte de produtos, de forma que seria possível, por exemplo, saber quando uma fruta foi colhida, como foi conservada até chegar à prateleira do supermercado.
Pensando no consumidor e supondo o uso de aparelhos SMART, isto é, aqueles equipados com sensores que coletam informações, será possível, por exemplo, controlar de forma concreta os gastos de energia elétrica de aparelhos eletrodomésticos. Outro exemplo é o da geladeira inteligente, onde sensores monitoram os alimentos guardados, registram o consumo e alertam o usuário quando é hora de reabastecer um determinado alimento ou bebida. Sensores espalhados nas cidades também poderão facilitar a vida dos cidadãos, pois que a rede 5G tem capacidade para transmitir os grandes pacotes de informações assim gerados aos computadores que administram serviços de infraestrutura, informando, por exemplo, sobre condições de estradas.
Um outro fator importante, que afetará positivamente nossas vidas é o consumo mais baixo de energia vinculado ao 5G.
Por outro lado, implicando a facilidade de transmissão de informações no aumento de sua coleta, o papel de cada um de nós como produtores de informações – sejam elas pessoal ou não pessoal – aumenta. Isso gera uma série de questões que envolvem um espectro que vai desde a proteção à privacidade até discussões relativas à quem pertence os dados não pessoais produzidos pelos nossos aparelhos. A depender do modelo de negócio, estes dados podem ter grande valor econômico. Outro ponto delicado é a questão de segurança na rede.
Como funciona o 5G? Quais são os níveis, como funciona esse emaranhado?”
Para responder o que é a rede de internet móvel de quinta geração creio ser importante entender como ela funciona.
Quando você usa o seu aparelho celular, sua voz é transformada em sinais elétricos que são transportadas como as ondas de rádio (ondas eletromagnéticas). O seu celular é, efetivamente, um rádio sofisticado. As ondas de rádio são emitidas em frequências. Frequência faz referência à oscilação das ondas. Quanto menor a onda eletromagnética, maior a frequência e maior a quantidade de dados que podem ser transmitidos.
Na rede 4G, o aumento de dados que circulam pela rede móvel e de aparelhos conectados implica na sobrecarga das frequências usadas. A solução para resolver este “engarrafamento”, que tem por consequência não só um problema em relação à velocidade de transmissão de informações, mas também de sobrecarga de usuários (imagine o muitos carro tentando cessar uma rodovia), é abrir novas frequência para a operação da rede móvel, o que ocorre em faixas mais altas – aqui se fala em “ondas milimétricas”, permitindo maior velocidade e um volume maior de transmissão.
No Brasil a Anatel deverá leiloar estas faixas de frequência em breve. Este é o primeiro passo no caminho para o 5G.
5G indica, assim, uma tecnologia de transmissão que usa faixas de frequência mais altas, oferecendo uma rede móvel muito veloz.
Evidentemente, o uso de faixa de frequências mais altas não é algo simples. Pelo contrário, exigiu (ou é o resultado) (d)o desenvolvimento de diferentes tecnologias. Por exemplo, se por um lado ondas milimétricas significam maior velocidade e volume de transmissão, por outro, ao contrário do que ocorre com as ondas de frequências mais baixas da rede 4G, elas não viajam bem pelo espaço (baixa penetração), o que comprometeria a estabilidade da rede. A resposta a este problema é a instalação de small cells, isto é, pequenas antenas que, em comunicação com a estação de base, ampliam a cobertura da rede móvel. A referência em alemão às small cells é de “enxames de antenas”, porque as áreas cobertas pela rede estarão repletas com estas pequenas antenas.
Há ainda muitas outras tecnologias complexas e importantes, que são desenvolvidas e aplicadas para viabilizar o funcionamento da quinta geração de rede móvel. Estas tecnologias estão voltadas a um amplo espectro de produtos, que envolve equipamentos para usuários (celulares), estações de base, infraestrutura de rede e até mesmo satélites, pois que as chamadas “redes de comunicação não terrestre” (Non-Terrestrial Networks – NTN) estão sendo integrada na estandardização da tecnologia 5G.
– O que se entende por “standard” e qual o impacto na discussão sobre o 5G?
Standard significa padronização. Por meio da adoção de padrões são estabelecidas especificações e requisitos tecnológicos que, quando seguidos, garantem que os processos, dispositivos e sistemas que os implementam funcionarão de maneira confiável.
A importância do estabelecimento de padrões fica bem clara quando imaginamos uma rede ferroviária caracterizada pela presença de trilhos de trem não padronizados, de forma que a bitola (largura dos trilhos) é variável. Para que o transporte de mercadorias nessa rede pudesse ocorrer, seria necessário trocar os trens no meio caminho, o que implicaria em descarregar e recarregar os vagões. Na mesma linha, seria necessário que se produzisse diferentes tipos de vagões de trens, cada um adaptado ao tamanho da bitola, o que implica em altos custos. Aliás, a falta de padronização de bitola no Brasil explica porque o sistema ferroviário é tão deficiente – sua eficiência depende da uniformização da bitola.
Os mercados de tecnologia da informação e comunicação são caracterizados por produtos com ciclos de vida curta e interdependentes entre si (interoperabilidade). Na falta de adoção de padrões de tecnologia a inovação neste setor seria difícil e o sistema de rede de comunicação móvel provavelmente não teria chegado à sua quinta geração. A padronização é, assim, um instrumento importante de promoção de inovação.
– Como entra toda a questão de Direito de Patente, incluindo a tensão sobre a questão de exclusividade?
O padrão de tecnologia de 5G consiste em um número incrível de patentes – de acordo com um estudo alemão ca. 95.000 (uma parte destas patentes ainda em exame) – relacionadas a invenções que implementação a rede móvel. Isto em conta, os agentes econômicos que pretendam explorar no mercado produtos que interoperam com a rede 5G devem, necessariamente, implementar algumas destas patentes. Isto em conta essas patentes são denominadas de SEP, isto é, standard essential patents.
Se por um lado esses agentes económicos precisam ter acesso (i.e., implementar) às SEP, a exclusividade garantida ao titular de uma patente é caracterizada pelo controle do acesso a invenção. Nota-se, neste passo, não só uma tensão entre interesses individuais (do agente econômico e do titular da patente) mas, ainda, um paradoxo na forma como se pretende fomentar a inovação, isto é, por um lado pela padronização, que pressupõe o acesso à tecnologia e, por outro, pela garantia de um direito exclusivo (patente), que pressupõe controle sobre o acesso.
Para resolver esta situação estabeleceu-se que as empresas que as titulares de SEPs se comprometem a licenciá-las em condições justas, razoáveis e não discriminatórias (sigla em inglès FRAND – Fair, Reasonable and Non-Discriminatory).
Em teoria esse sistema garante ao titular de uma SEP remuneração e, concomitantemente, assegura que a exclusividade não seja usada como um meio de impedir a atuação de agentes económicos que está vinculada à implementação dessas patentes. Esta situação traria, evidentemente, consequências negativas para a concorrência em sentido amplo (antitruste), pois que o detentor de uma patente padrão ocupa uma posição de monopólio em relação à tecnologia como um todo, e não apenas em relação a um mercado relevante específico.
– Como é isso na prática?
O problema é que há várias formas de se interpretar as condições contidas na sigla FRAND. Discussões sobre o licenciamento nessas condições têm gerado uma série de disputas legais de patentes nos últimos anos e, ainda, têm sido objeto de acalorados debates.
Pesquisas na Alemanha indicaram, por exemplo, que muitos empresários sentem insegurança em relação ao licenciamento de SEPs, especialmente no que tange o significado específico das condições de licença, como, por exemplo, como deve ser estabelecido a taxa de licença a ser paga ao tiutular da patente. A isso soma-se dúvidas no sentido de que nem todas as patentes declaradas como SEPs sejam, de fato, essenciais, como se verifica em uma Comunicação da Comissão Europeia (COM(2017) 707). Esta Comunicação aponta vários estudos sobre tecnologias importantes onde resta demonstrado que, pressupondo uma avaliação rigorosa, apenas entre 10% e 50% das patentes declaradas como tal seriam realmente essenciais. Enfim, na prática o sistema apresenta uma série de problemas e está muito longe de ser ideal.
– O que a experiência europeia ensina ao Brasil?
Na Europa há esforços no sentido de aumentar a transparência em relação às SEPs, especialmente buscando, dessa forma, beneficiar pequenas e médias empresas, que têm pouca experiência em práticas de licenciamento deste tipo. Este esforço tem por fim melhorar a qualidade e acessibilidade das informações registradas nas bases de dados dos órgão de normatização, estimular o desenvolvimento, no âmbito dessas organizações, de ferramenta de informação para das assistência nas negociações de licenciamento e de implementação de mecanismos de controle no que tange as declarações sobre o caráter essencial de patentes.
A Comissão Europeia oferece diretrizes voltadas à elaboração de contratos de licença de SEPs. Estas diretrizes não tem força de lei, mas têm valor ao oferecerem orientação para as negociações. Assim, por exemplo, determina-se que as negociações devem ser conduzidas em condições de transparência, abarcando informações claras sobre a essencialidade de padrão, o que, a seu turno, influencia a determinação do valor econômico da tecnologia patenteada, um fator essencial para justificar o cálculo da taxa de licença. Para quem tenha interesseem saber mais sobre o assunto, a Comunicação da Comissão Europeia pode ser encontrado na internet pela busca da sigla COM(2017) 712.
– Como se resolve os desafios? Há uma alternativa ideal?
Não posso afirmar haver uma alternativa ideal para superar os problemas que envolvem as SEPs. Para além da adoção de medidas voltadas a estabelecer um sistema acessível e transparente, como acima mencionado, no que tocam possíveis disputas entre contratantes sobre, por exemplo, as condições de preço das licenças, seria recomendável evitar a via judicial, optando pelo caminho de arbitragens.
As razões aqui são diversas. Por um lado estas patentes geralmente estão protegidas em diferentes jurisdições, de forma que disputas judiciais implicariam na necessidade de se promover diversas ações em diversos países. Por outro lado, basta lembrarmos do número de patentes já indicado vinculados à rede 5G (95.000) para antevermos as dificuldades de determinação de quais patentes deveriam ser objeto dessas ações. A isso soma-se o tempo que processos judiciais consomem. Os custos aqui envolvidos são altíssimos.
O caminho da arbitragem é muito mais razoável e está fazendo escola na Europa.
– Há outras tecnologias que devemos já nos antenar?
Sim, há. A tecnologia 6G, por exemplo, que pretende ser 100 vezes mais rápida do que a 5G na transmissão de dados e muito mais econômica em termos de custo de energia. A previsão do Governo alemão é de que já em 2030 a sexta geração de rede de comunicação móvel deverá ser parte da realidade do país.
Referências Bibliograficas
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