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Entrevista com Claudio Vilar Furtado, Presidente do Instituto de Propriedade Intelectual (INPI)

Nesta edição, a Propriedade no Assunto tem a oportunidade de ouvir com exclusividade o presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Claudio Vilar Furtado.  Em meio à pandemia e às mudanças políticas e econômicas que impactam diretamente o INPI (e que ainda estavam em andamento até o fechamento desta edição), o economista falou dos desafios de modernizar o INPI e combater o tão discutido backlog ainda em 2021. Confira a entrevista a seguir.


O INPI completou 50 anos em dezembro de 2020, em plena pandemia…

Vou me autoplagiar. Na Mensagem do Presidente, que abre o Relatório de Gestão 2020 e o Plano de Ação 2021, eu disse que assumi a presidência do INPI em fevereiro de 2019 com a disposição de enfrentar grandes desafios. Mas, nem no mais angustiado pesadelo, poderia supor que um ano depois eu teria que superar o impacto brutal do desastre epidemiológico causado pela Covid-19. Em 72h, disparamos uma operação digna dos melhores filmes de “desembarques militares”, organizando com absoluta precisão – e êxito – o esvaziamento do nosso edifício-sede, no centro do Rio, com 27 andares e cerca de 750 colaboradores e gestores, em plena rotina nas suas respectivas estações de trabalho. E o mesmo ocorreu na imediata sequência em nossos escritórios regionais.

A pandemia atrapalhou uma das metas – modernizar o instituto? Quais as estratégias adotadas e os resultados?

Não atrapalhou. Depois do primeiro impacto, o passo seguinte, sem o qual o primeiro seria eficaz, mas não eficiente, foi a extraordinária mobilização da nossa área técnica, em sincronia com a administrativa, em prover a colocação de laptops, terminais, e a habilitação de recursos e acessos aos sistemas de interação eletrônico em 90% das residências. De novo: em menos de uma semana. E, na sequência, a montagem de uma rotina inédita de funcionamento a distância, com conferências remotas e a combinação de reuniões online, encontros virtuais entre a diretoria e as coordenadorias e chefias, fixação de metas, sistema de aferição de competências e, claro, o comprometimento das nossas artilharia e infantaria – áreas meio e finalísticas – respectivamente com os objetivos traçados. Graças a isso, terminarmos 2020 com um volume considerável de entregas dos ativos de PI que estão sob nossa responsabilidade. Por exemplo: crescimento de 12% em marcas depositadas; 119% em decisões técnicas em patentes e um resultado operacional de R$ 128 milhões, com margem de 33% sobre a receita de serviços.  Em 2021, o INPI seguiu a implementação de rotas de alto impacto, iniciadas nos dois últimos anos com o Programa INPI Negócios, com atuação em âmbito nacional por telepresença; nossa intensa participação local em ecossistemas de inovação por meio de parcerias nacionais e até projetos internacionais, priorizando o estímulo à criação, à gestão e a eficaz proteção de ativos de propriedade intelectual de residentes no Brasil. Também o Plano PI Digital, que se propõe a viabilizar novas soluções digitais voltadas para otimizar e diversificar modalidades de acesso dos nossos usuários aos serviços e informações, providos pelo INPI. E o programa INPI – Escritório de PI para o Século XXI – que, em parceria com o Prosperity Fund do Reino Unido, acelerará a transformação institucional, a prestação de serviços, as práticas de gestão, para que atinjam os melhores padrões internacionais de um escritório de propriedade industrial. Olhando para fora dos muros, o INPI ampliou sua integração ao sistema internacional de PI, por meio da adesão do Brasil ao Protocolo de Madri em 2019 e está determinado, neste 2021, a aderir a dois outros acordos internacionais: o Acordo de Haia e o Tratado de Budapeste.
 

As metas de desempenho para 2021 projetam crescimento nos depósitos de ativos de 15% no mínimo e redução do backlog de até 80%, entre outros. Essas metas serão atingidas?

Estamos cumprindo o Plano de Ação para o ano e o INPI alcançará a redução do backlog até dezembro de 2021. Em agosto de 2019, o INPI iniciou o Plano de Combate ao Backlog de pedidos de patente, visando à redução substantiva do número de pedidos de patente de invenção depositados até 31/12/2016 e pendentes de decisão, com exame técnico requerido e ainda não iniciado.  Em 1º de agosto de 2019, este número era de 149.912 pedidos de patente pendentes. Com as ações bem-sucedidas implantadas nos últimos anos, como a utilização de resultados de busca e de exame disponíveis em outros escritórios de patente, redução do esforço de decisão, aumento de produção associado ao programa de gestão na modalidade

teletrabalho, priorização do trâmite de pedidos de patente, saneamento eletrônico dos pedidos de patente, foi possível atingir um percentual atual de redução do backlog de 59,1%, um dado correspondente a 27/04/2021.
 

E como tem sido o processo de adesão do Protocolo de Madrid, que incluiu a simplificação dos processos de custos e processo? De maneira geral, atendeu às expectativas? Quais têm sido as maiores dificuldades enfrentadas pelo INPI?

Sim, a adesão vem atendendo plenamente às expectativas. O Brasil fechou 2020 em 15º no ranking dos 123 países membros em quantidade de designações, computando 150 pedidos internacionais em 265 classes – em um tempo médio de 19 dias. O que gerou uma receita de aproximadamente R$ 11,9 milhões. O último painel, “saído do forno” e que compreende o período 02/10/2019 – 07/05/2021, indica o recebimento pelo INPI de 197 pedidos internacionais em um total de 332 classes. Já as designações ao Brasil marcam 14.772, em um total de 34.796 classes.


Há algum projeto do INPI para impulsionar o aumento de depósitos de desenhos industriais? O INPI pretende revisar as diretrizes de exame de pedidos de DI para facilitar a proteção de designs no Brasil?

Sim, sem dúvida, consta do nosso Plano Estratégico para 2021 um crescimento de 15% para os depósitos de registro de DI – 7200 no ano, com prazo médio de decisão de exame técnico de 4 meses.


Os programas de registro de computador têm crescido desde a promulgação da lei? Qual a expectativa?

Na verdade, nos últimos anos o número de registros de programas de computador vem sofrendo uma queda. Em 2019, houve 3.051 registros; em 2020, 2.844 registros. Em ambos os casos, estes números foram inferiores às metas estabelecidas. A expectativa para 2021, no entanto, é de aumento de cerca de mais de 20%, com meta estabelecida de 3.600 registros no ano.


Backlog é o grande pesadelo e principal desafio. Onde está o calcanhar de Aquiles? Como evitar novos backlogs?

O grande desafio ainda é alcançar o equilíbrio de médio e longo prazos entre a demanda, estabelecida pelos pedidos depositados e com exame requerido e o quantitativo de examinadores de patentes existentes sobretudo em algumas áreas tecnológicas.

Considerando que este desequilíbrio favorece o acúmulo de pedidos pendentes de decisão, a estratégia de tratamento do backlog atualmente em ação baseia-se em modificações dos procedimentos de busca e de exame de pedidos de patentes, visando a possibilitar uma diminuição do tempo de decisão despendido pelos examinadores. Alguns desses procedimentos estão sendo perenizados. O principal diferencial do plano vigente baseia-se no aproveitamento de resultados de busca e de exame de pedidos correspondentes depositados em outros escritórios, de forma a diminuir as etapas de exame necessárias à decisão de um pedido, a partir da publicação da exigência preliminar.  Além disso, outros projetos como o trâmite prioritário de pedidos, a terceirização de buscas de patentes e a introdução de inteligência artificial para realização de buscas visam a garantir o aumento da capacidade de decisão, a partir da diminuição do esforço

de busca e de exame técnico. O uso de tecnologia de informação como investir numa nova máquina de fluxo, aprimorar a máquina de estado, são essenciais para o aumento da produtividade. Além destas, outras ações como treinamento para examinadores em tecnologias e em ferramentas de buscas serão adotadas pois também impactam na capacidade de exame e de decisão do instituto. Por fim, a contratação de examinadores em áreas especializadas terá influência direta no aumento da capacidade de decisão do instituto.


Cerca de mais de 40% das decisões de 2020 foram pelo arquivamento definitivo das
exigências preliminares não respondidas. Qual o impacto na produtividade dos examinadores?

De fato, o arquivamento definitivo por não manifestação do depositante, foi uma das grandes vantagens obtidas com a publicação da exigência preliminar introduzida no Programa de Combate ao Backlog, que ocorre por não manifestação do depositante em um prazo de até 90 dias, contado a partir da publicação da exigência preliminar na RPI, conforme estabelecido na LPI. O impacto na produtividade dos examinadores é muito positivo, uma vez que este arquivamento definitivo retira da fila de pedidos que aguardam decisão, aqueles que, de alguma forma, não despertam mais interesse do depositante. Além disso, o principal impacto deriva do ajuste das reivindicações que serão analisadas pelos examinadores, previamente à etapa de exame técnico. Assim, o exame ocorre considerando um quadro já adaptado aos documentos citados por outros escritórios, favorecendo uma decisão em menos etapas.


Como gerir uma Autarquia com a importância que o INPI dentro de um contexto de extrema competitividade, mas sem possuir autonomia financeira, enfrentando limitações nas contratações de novos examinadores e com escassa infraestrutura administrativa adequada?

A existência de um plano de ação, revisto mensalmente e modificado trimestralmente, foi para nós um exercício de trabalho em equipe de gestores que facilitou o trabalho, inclusive para lidar com a chamada falta de autonomia financeira do INPI. Nós fomos integralmente apoiados pelas Secretaria de Produtividade e Competitividade e pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia. Por isso, apesar da falta de liberdade financeira, o apoio desses dois órgãos nas nossas reivindicações, ajustes e necessidades financeiras, foi essencial. Hoje lidamos com o corte linear de 10% dos nossos gastos discricionários, determinado pelo Orçamento aprovado pela Câmara. Ajustar o INPI não significa um percentual grande dentro do orçamento total do ministério, mas é evidente que eu não tenho a flexibilidade de uma empresa. Nós geramos um excedente de caixa para o Tesouro na ordem de 152 milhões de reais, mas não tenho a liberdade de usar sequer uma parte para fazer investimentos prioritários. Não é uma Brastemp de gestão financeira e poderia ter um modelo melhor em que o INPI cobrasse preços públicos justos pela prestação de serviço com base em custos e tivesse uma margem de criação de uma reserva para fazer seus investimentos de curto, médio e longo prazo. Esse é o modelo ideal que estamos almejando conseguir ainda esse ano, sob o ponto de vista financeiro. No ponto de vista administrativo, enfrento problemas na contratação de examinadores principalmente para áreas críticas de atualização tecnológica e de revisão de segunda instância. Há grande insuficiência por falta de recursos humanos e nessa área precisa de profissionais sênior e não tenho flexibilidade de contratação porque precisa ser via concurso público. Preciso melhorar a estrutura organizacional, que demanda redesenho e otimização de áreas, o que depende de uma autorização do Presidente da República por meio de decreto. Quero fazer essa reestruturação ainda esse ano, a última feita foi em 2016 e não mais atende as prioridades estratégicas do INPI. Felizmente o programa INPI – Escritório de PI para o Século XXI está tratando dessa transformação. O INPI não precisa ser uma empresa privada, o proprietário das ações pode ser o Governo, desde que exista a flexibilidade para gerir com regras de administração empresarial. Em resumo, consigo alcançar a meta com excelente equipe, planejamento bem-feito e monitoramento permanente do desempenho desse plano. 


Já há alguma previsão de quando o sistema do INPI aceite depósito em multiclasse? Quais as dificuldades que têm sido enfrentadas? São de ordem técnica?

Ainda não há uma previsão definitiva para a implementação do sistema multiclasse para pedidos de registro de marca apresentados ao INPI pela via nacional. Os principais desafios enfrentados são o custo de modificação dos sistemas de TI (considerando a necessidade de distribuição, entre todo o Instituto, dos recursos de TI existentes, que podem ser considerados escassos) e o impacto operacional esperado.  O Plano de Ação do INPI, contudo, prevê alterações ainda neste ano nos nossos sistemas de protocolo eletrônico e sistemas internos, de modo a ajustar alguns formulários e fluxos internos aos novos procedimentos que serão estabelecidos. A mesma iniciativa prevê uma atualização do Manual de Marcas em 2021 com os novos procedimentos para processamento e exame de pedidos de registro de marca no sistema multiclasse.  O impacto operacional esperado é o possível aumento dos tempos de concessão de registros de marca — particularmente se considerarmos ainda a crescente demanda (+35% em dois anos, 2018 a 2020) – e a redução dos quadros de pessoal, até pela dificuldade de realizar novas contratações.  Assim, a produtividade poderá ser afetada pelos custos de adaptação e da complexidade dos novos procedimentos de exame, assim como pelos custos e tempo de treinamento de todo o corpo técnico envolvido no macroprocesso de registro de marcas, tendo em vista que quase todos os serviços de marca hoje realizados pelo INPI sofrerão algum tipo de impacto decorrente da implementação do sistema multiclasse.


Quais as condições que o INPI precisa, no atual cenário, para alcançar sua meta na atual gestão?

As metas são as que estão no Plano de Ação de 2021, mas queremos ir além. Nossas áreas de ponta se reciclam permanentemente, comprometidas com os “novos saberes e novos dizeres”. Tudo é instigante, instantâneo e veloz. No lugar de Meio Ambiente, hoje temos a Bioeconomia; no lugar da comunicação interpessoal, hoje temos objetos que começam a conversar entre si; no lugar do trabalho presencial em paralelo ao teletrabalho, hoje caminhamos para um sistema híbrido; as relações de gêneros opostos convivem com as de mesmo gênero e a ciência logrou desenvolver vacinas contra a Covid-19 em menos de um ano! Tomo a liberdade de contradizer o poeta gaúcho Mário Quintana, em sua bonita metáfora: “de madrugada, um relógio pergunta para o outro que horas são?” para constatar que não é mais assim. Agora, todos os ponteiros marcam amanhã.

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