- China – Visão Global
A China promulgou sua primeira lei de patentes somente na década de 80 (1984), resultado de sua reabertura e filiação à OMPI, o que acarretou a adesão do país a importante acordos multilaterais, como a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1984), o Acordo de Madri para o Registro Internacional de Marcas (1989), a Convenção de Berna de Proteção de Obras Literárias e Artísticas (1992), e, mais adiante, à OMC e ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs) (2001).
A primeira Lei de Patentes entrou em vigor em 1985 e passou por alterações em 1992, 2000, 2008 e 2020. A legislação original expressamente proibia a concessão de patentes para substâncias e produtos farmacêuticos obtidos por meio de processos químicos. No entanto, a alteração vigente em 1993 excluiu a referida proibição, passando a permitir o patenteamento de farmacêuticos bem como estendeu o prazo de proteção das patentes de 15 para 20 anos. Em 2001, devido às negociações do país para a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China promoveu nova alteração em sua legislação nacional, adequando-a às provisões do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs). Em 2008, a lei foi modificada mais uma vez para elevar a China a um padrão de maior conformidade com as normas internacionais, como, por exemplo, com a adoção do princípio de novidade absoluta e de uma limitação de direitos aos titulares de patentes semelhante à exceção bolar.
Em 2020, foi promulgada a 4ª Emenda à Lei de Patentes da República Popular da China, em vigor desde junho de 2021, que promoveu alterações significativas adicionais em direção a uma proteção mais robusta das patentes, não somente implementando um sistema de compensação e ajuste de termos de proteção, mas também com relação à oponibilidade dos direitos em si.
Nesse sentido, o artigo 42 da lei prevê a possibilidade de ajuste do termo de proteção de patentes de todas as tecnologias por uma demora irrazoável no exame de pedidos, o que se denomina internacionalmente de “Patent Term Adjustment” (PTA), bem como a extensão do prazo de patentes relacionadas a novos fármacos pelo tempo dispendido no procedimento de análise e aprovação destes produtos para a comercialização, denominada “Patent Term Extension” (PTE) na doutrina internacional.
No caso de PTA, somente patentes concedidas em ou após 01 de junho de 2021 serão elegíveis, sendo os seguintes os requisitos necessários para se requerer a compensação: (a) concessão após quatro anos do depósito e três anos após o pedido de exame; (b) que a demora não tenha ocorrido por culpa exclusiva do próprio titular, como em casos de pedidos de extensão de prazos, etc.
Com relação ao PTE, a legislação prevê a possibilidade de extensão do prazo de 20 anos a patentes concedidas em ou após 01 de junho de 2021 que abarquem novos insumos farmacêuticos ativos (IFAs), formulações e composições compostas por novos IFAs, métodos para formulação de novos IFAs ou uso de novos IFAs (swiss-type claim) referentes a drogas químicas, produtos biológicos e à medicina tradicional chinesa. A extensão máxima é de cinco anos e o prazo total de proteção da patente não pode exceder 14 anos contados da data da aprovação do produto para comercialização.
PTA e PTE não são automaticamente concedidos pela legislação chinesa: devem ser requeridos pelo titular da patente em prazo especificado na lei e/ou em resoluções do Escritório de Patentes da China (CNIPA).
Por fim, a nova alteração da lei chinesa implementou o sistema de linkage, que vincula a concessão de registro sanitário de um medicamento genérico à expiração de determinada patente a ele relacionado, bem como estipulou o pagamento de danos punitivos por violação de patentes.
A China encerrou o ano de 2021, assim, com grande destaque perante a comunidade da Propriedade Intelectual pois, além de ser a primeira
depositante de PCTs em âmbito mundial, superando pelo terceiro ano seguido os Estados Unidos, com 69.540 pedidos[1], o país vem conquistando, definitividade, uma posição de liderança entre os países que enxergam na proteção dos bens de propriedade intelectual um meio de desenvolvimento econômico sustentável.
- Brasil – Visão Global
O Brasil é um dos países pioneiros na proteção às invenções em âmbito mundial, que, por meio do Alvará de 28 de abril de 1809, já concedia privilégio exclusivo por catorze anos aos “inventores e introdutores de alguma nova máquina e invenção nas artes.” A proteção constitucional às patentes adveio com a Constituição de 1824 em termos semelhantes ao Alvará de 1809 e a primeira Lei de Patentes foi, então, promulgada em 1830 (Lei de 28 de agosto de 1830), seguida pela Lei nº 3.129 de 1882. Ressalte-se que foi somente em 1945 que a legislação nacional passou a impor restrições à propriedade intelectual, tendo expressamente proibido o patenteamento de produtos farmacêuticos por meio do Decreto-Lei nº 7.903, promulgado por Getúlio Vargas, que constituiu o primeiro Código da Propriedade Industrial.
De acordo com Maria Stela Pompeu Brasil Frota (1993, p. 87), o início do processo de industrialização do país, com a adoção de um modelo de substituição das importações, foi o responsável pela proibição, numa tentativa de se fomentar a indústria nacional, pois seria possível produzir “cópias” dos medicamentos patenteados a custo inferior, tornando-os, à primeira vista, mais acessíveis à população e aquecendo o mercado.
Em 1969, os processos para obtenção de produtos farmacêuticos foram também excluídos do Decreto-Lei nº 1.005 e a legislação posterior (Lei nº 5.772/71) acompanhou os dois Decretos-Leis anteriores, dispondo, em seu Artigo 9º, não serem privilegiáveis “as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação”.
O cenário para as invenções farmacêuticas permaneceu o mesmo até a década de 90, mas, já a partir de 1985, os Estados Unidos da América (EUA) iniciaram uma verdadeira guerra fria contra o firme posicionamento do Brasil no sentido de não ceder à concessão de patentes para o setor.
Maria Stela Pompeu Brasil Frota (1993, p. 87) afirma que o auge da tensão entre os países se deu em outubro de 1988, quando, por um processo instaurado em 23 de julho de 1987 com base na Seção 301 de seu Trade Act de 1974 (legislação comercial), os EUA impuseram uma sobretaxa de 100% para a entrada de produtos estratégicos brasileiros no mercado americano (papel, produtos químicos e eletrônicos), sob a argumentação de que o impacto na economia brasileira seria equivalente às perdas sofridas pelo setor farmacêutico norte-americano.
O governo brasileiro, em resposta, solicitou a abertura de um comitê de arbitragem no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio – Predecessor da OMC) para resolver o litígio, sustentando que a Convenção da União de Paris autorizava os signatários a excluírem qualquer produto da matéria patenteável.
Ressalte-se que o contencioso entre os países se instaurou em meio aos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1987-1988 e foi negociado por um governo ainda com forte poder parlamentar em direção ao protecionismo da indústria nacional e era efetivamente improvável que qualquer mudança na Lei nº 5.772/71 fosse aprovada.
Ainda assim, Di Blasi (2010, p. 7) ressalta que o governo brasileiro tentou evitar as sanções ao propor, em junho de 1988, a adoção de uma medida de conciliação no sentido de admitir a patenteabilidade de processos farmacêuticos, o que foi negado pelos Estados Unidos sob o argumento que “os laboratórios chegariam industrialmente ao mesmo produto por meio de engenharia reversa”.
De todo modo, a Constituição Cidadã, promulgada em outubro de 1988, incluiu a proteção das patentes no rol dos direitos fundamentais, aumentado a relevância da questão, ao passo que declarou, em seu Artigo 196, que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”, pautando a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e elevando a dicotomia “interesse público” x “interesse privado” neste segmento no país a nível constitucional.
Em 1990, a celeuma Brasil-Estados Unidos foi temporariamente resolvida por entendimento entre as partes devido à reformulação da política econômica e industrial nacional de abertura e incentivo ao comércio exterior à época do governo Collor, recém empossado, aliada ao apoio dos empresários dos setores econômicos mais prejudicados com as sanções comerciais. O governo se comprometeu, então, a enviar projeto de lei para o Congresso Nacional para, finalmente, permitir o patenteamento de produtos farmacêuticos e processos relacionados em troca da retirada das sanções comerciais.
Entre 1991-1994, segundo Di Blasi (2010, p. 8-9), o governo brasileiro tentou emplacar uma nova legislação, por meio do Projeto de Lei No. 824/91, que trazia diversas inovações, dentre elas o patenteamento de produtos e processos farmacêuticos, bem como de seres vivos, que sofreu imensa resistência de partidos políticos, de diversos setores da sociedade e da Igreja Católica. Neste meio tempo, o país sofreria nova ameaça de retaliações comerciais por parte dos Estados Unidos (1993), o que levou representantes do governo a Washington para negociar a retirada do Brasil da “lista negra” de nações cuja proteção da propriedade industrial era considerada “inadequada” pelo referido país.
Em 1994, o Brasil aderiu ao TRIPs, pelo qual foram estabelecidos padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual, que veda, em seu artigo 27.1, qualquer restrição legal de tecnologia do campo de proteção por patente e delimita as matérias que podem ser consideradas não patenteáveis por seus membros expressamente.
Nesse passo, devido à pressão do imbróglio de praticamente uma década entre Brasil e Estados Unidos, o Brasil promulga, em 1996, a Lei nº 9.279 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), que excluiu das matérias “não privilegiáveis” as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação.
Além de estender o prazo de proteção das patentes de invenção para 20 anos contados da data do depósito (ou, no mínimo, de 10 anos a contar da concessão), a nova legislação, em seus Artigos 230 e 231, estabeleceu interinamente as patentes “pipeline”, alvo de inúmeras controvérsias judiciais até hoje.
O sistema pipeline, na definição de Di Blasi (2010, p. 9), “refere-se à proteção de propriedade industrial concedida a um conjunto de produtos (inventos) que ainda se encontra em fase de desenvolvimento e um conjunto de produtos recém-desenvolvidos, já lançado no país de origem ou em algum outro mercado, mas ainda não lançado no mercado nacional”. Ressalte-se que esta é uma definição ampla e que as características e pressupostos para a implementação desta modalidade de proteção em determinado território são normalmente definidos pelas legislações nacionais.
No Brasil, o pipeline veio garantir a concessão de privilégio a invenções não contempladas pela legislação passada já objetos de pedidos ou patentes no exterior, desde que: (a) o pedido nacional fosse depositado até o prazo de um ano contado da data da publicação da LPI, ou seja, até 15 de maio de 2007; (b) o objeto da invenção não tivesse sido colocado pelo titular em qualquer mercado; e (c) não tivesse sido realizado sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto da invenção por terceiros no país.
Dessa forma, o Brasil assumiu, com a nova lei, posição diametralmente oposta àquela adotada anteriormente e, ainda que como exceção e de forma temporária, permitiu a concessão de patentes, dentre outras, para matérias farmacêuticas que já estavam no estado da técnica e, além disso, sem qualquer exame de mérito pelo próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Segundo Di Blasi (2010, p. 11), a inserção das patentes pipeline no ordenamento jurídico, que foi alvo de inúmeros debates entre a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) em posições antagônicas no Senado, foi justificada pela necessidade de se atrair novos investimentos ao Brasil e tranquilizar as empresas estrangeiras – principalmente os laboratórios farmacêuticos – em vista da desconfiança causada pela antiga fragilidade da proteção às patentes. Ressalte-se, ainda, a própria pressão exercida por tais laboratórios já que o país, em 1995, já era o oitavo maior mercado farmacêutico do mundo.
Como se vê, o Brasil, na década de 90, acena para o mercado internacional e para a comunidade de Propriedade Intelectual, inclusive com normas legais mais protetivas do que aquelas exigidas pelo TRIPs, que entraram em vigor antes mesmo do fim da vacância para a aplicação das disposições do referido acordo nacionalmente (1 + 4 anos, com aplicabilidade a partir de 01 de janeiro de 2000), consolidando a renúncia expressa ao prazo de transição de cinco anos adicionais (até 2004), concedido pelo Artigo 65.4 do acordo, para adaptação do país à concessão de patentes cujas tecnologias não eram abarcadas pela lei de regência anterior.
Não há dados científicos para comprovação, mas se pode arriscar a afirmação de que essa reviravolta de 180° no posicionamento do Brasil contribuiu para um efeito rebote, fomentando discursos sobre “monopólios” injustos em detrimento do interesse público, agravando preconceitos já existentes com o sistema de patentes em geral e, principalmente, no que tange às patentes farmacêuticas.
Após a promulgação da nova lei, nenhum avanço em medidas de proteção às patentes ocorreu e podemos, inclusive, mencionar certo grau de resistência ao sistema, com ênfase ao setor farmacêutico, nas três esferas do poder público, num acirramento do embate entre “interesse público” e “privilégios privados” principalmente pelo alto gasto do Governo Federal no fornecimento de medicamentos à população pelo SUS.
Um exemplo foi a inserção do polêmico Artigo 229-C à LPI em 2001, por meio da Lei nº 10.196 de 2001, condicionando a concessão de patentes farmacêuticas à anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o que representou uma verdadeira disputa envolvendo os titulares de patentes, a ANVISA e o INPI acerca da competência e atribuições legais dos órgãos em questão. As consequências eram já previstas pelos militantes da área: um atraso consideravelmente maior no exame dos pedidos de patentes desta área.
Ainda no âmbito legislativo, em 2006, restou frustrada uma tentativa de se condicionar a concessão de registro sanitário na ANVISA para produtos farmacêuticos de uso humano à comprovação de que o requerente era o titular da patente ou que dele obteve licença para a exploração econômica do seu objeto (“patent linkage”) pela rejeição, em decisão terminativa, da PL nº 29/2006.
Já no âmbito do Poder Judiciário, em maio de 2021, foi proferida decisão na Açao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5529, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Dias Toffoli, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI, que, conforme mencionado, previa prazo mínimo de proteção das patentes de invenção por 10 (dez) anos contados da concessão. Ressalte-se que o caput do referido artigo dispõe, como regra geral, que o prazo do privilégio é de 20 anos contados da data do depósito do pedido, mas, em vista do longo tempo de duração dos processos administrativos no INPI, a grande maioria das patentes teve seu tempo de proteção regido pelo teor do parágrafo único desde a promulgação da nova lei.
Ora não se pretende discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, vez que seria um debate improfícuo, levando-se em consideração que a matéria já foi decida por maioria no Supremo Tribunal Federal (STF).
O que chama a atenção na decisão – e vale consideração – é a modulação dos seus efeitos: de forma a garantir a “segurança jurídica”, a decisão não retroagiu para patentes já concedidas que se beneficiam do prazo do parágrafo único, exceto pelas patentes farmacêuticas e de dispositivos médicos, que, conforme o Acórdão, tiveram seus prazos de proteção imediatamente ajustados a menor ou, ainda, foram declaradas extintas quando o termo de 20 anos da data do depósito havia transcorrido.
Note-se que a referida decisão trouxe consequências, inclusive, de ordem prática haja vista que, em patentes cujas matérias ultrapassam o limite da área farmacêutica e/ou produtos/equipamentos de saúde para aplicação em humanos, há diferentes prazos de expiração. Ou seja, foi dado um tratamento diferenciado para áreas técnicas que não estão relacionadas à saúde.
Não bastasse, em resposta à nulidade do parágrafo único do Artigo 40, diversos titulares têm impetrado mandados de segurança visando ao exame do mérito de seus pedidos, sustentando preceitos constitucionais, como o da duração razoável do processo e devido processo legal.
Novamente, não se questiona o teor da decisão do Supremo em si, tampouco o fato de seu efeito ex tunc ao segmento farmacêutico, mas sim os seguintes pontos:
(a) o tratamento diferenciado dado a jurisdicionados em mesma situação, que deixa transparecer não somente a explícita motivação político-econômica do julgado, sobretudo em razão da pandemia de Covid-19, mas também traços claros de um inconsciente coletivo vívido de resistência ao setor farmacêutico;
(b) a nulidade de uma norma que vigeu por 25 anos sem, contudo, a promulgação de outra que compense o tempo dispendido com a morosidade da análise, ainda sem solução apesar dos esforços de INPI;
(c) a (in)sustentabilidade de suas consequências. Terá o INPI capacidade de analisar os pedidos objetos de mandados de segurança sem prejuízo dos demais administrados com os recursos humanos e de tecnologia atuais?
Outro retrocesso aos direitos de patentes que merece destaque foi a decisão publicada em 25 de agosto de 2021, desta vez pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Recurso Especial de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (REsp nº 1.543.826/RJ), decidiu, por maioria, que o parecer negativo da ANVISA acerca dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva, aplicação industrial) de um pedido tinha caráter vinculante ao INPI, muito embora em vigor, à época, a Portaria Conjunta 1, de 12.4.2017, emitida pelos dois órgãos, que reconhecia o caráter meramente subsidiário da ANVISA neste tipo de análise.
Nota-se, mais uma vez, o caráter eminentemente político-econômico da decisão proferida pelo Poder Judiciário, ao considerarmos, ainda, que um dos objetos da ação em referência era o prosseguimento do exame de um pedido de patente pipeline,com relação ao qual nem mesmo o INPI, nos termos do Artigo 230 da LPI, poderia analisar os critérios técnicos próprios de patenteabilidade. Em outras palavras, o STJ acabou por fazer letra morta do referido artigo legal.
Entretanto, a decisão do STJ não teve a repercussão devida em vista da revogação do Artigo 229-C pela Lei nº 14.195 de 26 de agosto de 2021 que, como mencionado, condicionava a concessão de patentes farmacêuticas à anuência prévia da ANVISA. Claramente num sistema de “toma lá, dá cá”, o poder legislativo tentou apaziguar os ânimos, principalmente dos titulares de patentes do setor farmacêutico que experienciavam uma fase a mais no exame de seus pedidos pelo sistema de anuência prévia da ANVISA, delongando, ainda mais, o tempo de análise.
A referida Lei nº 14.195 tratou, ainda, da revogação do parágrafo único do Artigo 40 da LPI, refletindo os termos da decisão do STF na ADI nº 5529, de modo que as patentes de invenção vigem, atualmente, pelo prazo de 20 anos e, no caso de modelos de utilidade, pelo prazo de 15 anos, ambos contados da data do depósito do pedido, o que constituiu um marco de alteração da norma de regência devido às consequências impactantes no atual sistema de proteção de patentes, mormente quando não há qualquer mecanismo de compensação aos titulares pela demora na análise dos pedidos de patentes.
Merece aparte, entretanto, o árduo comprometimento do INPI, nos últimos cinco anos, para reduzir o acúmulo de pedidos de patentes pendentes de decisão, como, por exemplo, procedimentos específicos para acelerar o exame dos pedidos de patentes (trâmite prioritário, etc.). Este trabalho feito pela Diretoria de Patentes do INPI resultou numa redução significativa de 80% do chamado “backlog” e é um alento, de certa forma, para aqueles requerente e titulares de patentes que tiveram prejuízos ocasionados pelas polêmicas medidas já mencionadas.
Ainda sobre uma posição refratária ao sistema de patentes em matéria farmacêutica no Brasil, não obstante o TRIPs e as disposições da Declaração de Doha já garantirem os mecanismos necessários para a limitação dos direitos de patentes em casos de emergência nacional para países em desenvolvimento, o Senado Federal propôs, também em 2021, o Projeto de Lei nº 12/2021, que originou a Lei nº 14.200/21, incluindo o Art. 71-A na Lei de Propriedade Industrial, com o intuito de viabilizar, por meio de licença compulsória, a produção de medicamentos para fins de exportação a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atendimento de sua população, visando, à primeira vista, ao tratamento e prevenção da COVID.
Curioso notar que as alterações promovidas no Artigo 71 bem como a inclusão do 71-A foram acatadas apesar das declarações de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan (Coronavac), e Mario Moreira, vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz (Astrazeneca-Oxford), em audiência no Senado em 08 de abril de 2021, acerca do valor agregado das parcerias firmadas com as empresas estrangeiras durante a pandemia. Os dois refutaram, ainda, qualquer argumentação no sentido de que a falta de vacinas seria devido a questões patentárias e de que o licenciamento compulsório seria uma solução eficaz.
Assim, o Brasil concluiu seu ano de 2021 no segmento da Propriedade Intelectual com forte atuação do legislativo e judiciário na contramão dos interesses dos titulares de patentes e, consequentemente, gerando certo grau de insegurança jurídica para todos aqueles que investem em novas tecnologias, principalmente aqueles atuantes no setor farmacêutico.
- Conclusão
Entre os dois países, há algumas similitudes relevantes: ambos populosos, com extensos territórios, que permitiram o patenteamento de medicamentos mais tardiamente (o que ocorreu com a grande maioria dos países, deve-se ressaltar) e que visam a atingir a universalidade e eficiência em assistência à saúde, muito embora não haja dúvidas de que o SUS é um dos maiores sistemas do mundo, que atende mais de 190 milhões de habitantes.
Mas não há como ser negada a diferença de rumos de Brasil e China, não somente no último ano, mas em suas estratégias de proteção da Propriedade Intelectual em médio e longo prazo. A China, nos parece, sucumbiu ao ditado “se não pode vencê-los, junte-se a eles” e, concomitantemente com a elaboração de seu arcabouço legal relativo à Propriedade Intelectual, passou a investir maciçamente em educação, tecnologia, inovação, parcerias entre o mundo corporativo e o acadêmico e em incentivos a empreendedores.
Assim, o país vem, num movimento uniforme, aperfeiçoando seu sistema de proteção e aderindo às práticas internacionais. Ao proteger a PI, o país denota claramente proteger seus próprios bens pois, atualmente, como já mencionado, a China é o primeiro depositante de patentes pela OMPI no mundo. Não é à toa que lidera a inovação mundial junto com os Estados Unidos
Por outro lado, vemos um Brasil que ainda procura remédios paliativos, que tratam superficialmente sintomas, mas não curam a doença. Com decisões e alterações legais de cunho eminentemente político e econômico, em que pese o respeito que merecem as máximas cortes do país, bem como os representantes do poder legislativo, o cenário apresentado em 2021, além de causar extrema desconfiança acerca da robustez da legislação em vigor, gera insegurança jurídica e não resolve os problemas estruturais do Brasil.
É efetivamente incongruente imputar, ao sistema de patentes, os prejuízos em matéria de saúde ou a qualquer outro setor no Brasil, ao nos depararmos, concomitante e usualmente, com escândalos de corrução, mau uso e desvio de recursos públicos, desindustrialização, principalmente no que se refere à indústria 4.0, além de parcos investimentos em educação e ciência.
Quando o Brasil realmente começar a visualizar a Propriedade Intelectual não como um fim em si mesmo ou um instrumento de proteção de direitos individuais, mas como um meio, uma ferramenta eficaz de desenvolvimento econômico e de comércio internacional, efetivamente investindo e fiscalizando recursos na sua promoção, as patentes e a transferência de tecnologia serão, em vez de antagônicas, partes realmente inexoráveis das políticas públicas, não somente relativas ao setor farmacêutico, mas também aos demais segmentos tecnológicos da sociedade brasileira.
Referências Bibliográficas
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[1] Disponível em: https://www.wipo.int/pressroom/en/articles/2022/article_0002.html – Acesso: 30/08/2022.