A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou, em 6 de dezembro de 2023, a “bula recortada” no Brasil, através da alteração do artigo 14 da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 47/2009. Antes da alteração, a RDC previa que todo medicamento genérico deveria vir acompanhado de bula idêntica ao medicamento de referência – ou seja, a bula do medicamento genérico devia incluir as mesmas indicações previstas nos registros do medicamento de referência.
Com a recente atualização, empresas farmacêuticas poderão excluir da bula indicações terapêuticas, vias de administração, posologia, concentração ou outras informações que estejam porventura protegidos por patente. Trata-se de prática comum em outros países (conhecida em inglês como Skinny label), sobretudo como forma de buscar evitar infrações a patentes de segundo uso.
A atualização da norma é justificada pelas autoridades como uma política pública voltada a incentivar a oferta de medicamentos genéricos no país, barateando tratamentos para a população e para o Estado. A medida, porém, causa preocupação aos titulares de patentes, que poderão ter dificuldades para comprovar infrações a patentes (especialmente de segundo uso).
Atualmente, paira um ar de incerteza no mercado brasileiro. Não é pacificada a discussão acerca da possibilidade de o produtor de medicamento genérico, por meio da redação que vier a dar à bula, contribuir, por indução, à infração da patente de segundo uso. Ao mesmo tempo, a Procuradoria Federal da ANVISA se manifestou, em parecer, “quanto à possibilidade de que medicamentos genéricos e similares se diferenciem quanto às indicações terapêuticas dos medicamentos de referência, quando da ampliação da proteção patentária para uma nova indicação”.
Além dos debates tortuosos envolvendo potenciais infrações patentárias, muito se questiona a legalidade da alteração publicada pela ANVISA, pois há quem argumente que uma Resolução não poderia alterar conteúdo de lei. Para esses críticos, os incisos XX e XXI do art. 3º da Lei 6.360/76 são claros no sentido de que medicamentos similares e genéricos devem apresentar “os mesmos princípios ativos, (…) a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica” do medicamento de referência, sem qualquer exceção. Por isso, a atualização de 6 de dezembro de 2023 pode vir a ser questionada perante o Poder Judiciário, impedindo que a prática de Skinny Label se concretize no Brasil, ao menos até que o Congresso legisle sobre o assunto. Diante das incertezas impostas pela atualização da ANVISA, é importante que empresas farmacêuticas – tanto as titulares de patentes para medicamentos de referência quanto as empresas focadas na comercialização de genéricos – se antecipem aos desafios e oportunidades que surgem com a prática do Skinny Label no país que, de acordo com levantamento da IQVIA, possui o 6º maior mercado farmacêutico do mundo, com tendência de crescimento até o ano de 2027.