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ESG: uma questão de propósito

Convidado: Carlos Arruda – Professor na área de Inovação e Competitividade e Gerente Executivo do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral.

ESG, a sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança, é uma agenda ainda sendo consolidada, sendo mais falada do que praticada, mas que ganha cada vez mais espaço nas empresas brasileiras a partir de uma liderança comprometida com esse propósito. Não é apenas cumprir a lei por causa de um compliance, mas requer um alinhamento estratégico que vai exigir inovação, investimento e estrutura.

Essa exigência não vem do nada, é uma resposta a acidentes gravíssimos de caráter ambiental no mundo desde a década de 1980. No passado foi chamado de “responsabilidade corporativa”, depois de “sustentabilidade” e agora ESG. E vai além: ESG é um novo comportamento da sociedade em transformação que tem um histórico lamentável por trás. A análise é do professor de Inovação e Competitividade da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, que garante que a inovação é o motor do ESG e que é preciso investir em pesquisa e desenvolvimento para gerar velocidade de mudança.

Para Arruda, o Brasil é uma referência de benchmarking em relação ao ESG e o que precisamos é ganhar escala, uma vez que as lideranças estão mais conscientes da importância das questões ambientais, sociais e de governança como fator de estratégico de vantagem competitiva.

As equipes de inovação nas empresas já perceberam que a agenda ESG é uma fonte de oportunidades?

Inovação é uma agenda de todas as empresas. É uma escolha estratégica. Inovação não é compulsória, mas sem ela será difícil se manter no mercado no longo prazo. Eu fico muito incomodado quando eu vou fazer pesquisa e percebo que as empresas praticam inovação olhando no espelho retrovisor, ou seja, iniciativas que elas já deveriam ter feito no passado e que não fizeram e agora estão correndo atrás. Essa é a pior inovação, conhecida como inovação de perdas competitivas.

Se partirmos da ideia de que inovação faz par- te da estratégia de todas as empresas e que ESG está mudando a estratégia das empresas, percebe-se que a agenda ESG passou a ser relevante para a sobrevivência da empresa. Mas ESG ainda não faz parte do foco do gestor de inovação, que ainda está com foco no cliente, melhorias e novas formas de agregação de valor. Isso é fundamental. Mas se eu incluo a pauta ambiental, que faz parte do ESG, como um fator estratégico, como eu vou inovar isso? E, consequentemente, gera pressões internas e pressões externas. Um caso que nós estudamos de locação de frotas, quando solicitou recursos de um investidor estrangeiro ou-

viu: “ok, desde que você reduza sua emissão de CO2”. Então ela passou a ter um desafio que não tinha antes: como eu reduzo no meu negócio a emissão de CO2? A solução foi começar a apoiar o uso de carro elétrico, o uso de etanol… Começou a adotar mudanças de curto prazo, que é a substituição de combustível, e de longo prazo, que é o desenvolvimento de novas tecnologias, em função de um investidor estrangeiro que veio pela pauta ambiental.

O conteúdo estudado dentro da academia determina sua relevância no modelo de gestão moderno. Agenda EGS já é uma linha de pesquisa acadêmica? Em qual área ela se enquadraria: liderança, estratégia, inovação, teoria organizacional?

Ainda não, ainda está aos pedaços. A questão ambiental já tem uma especificidade com especialistas, a questão social está mais ligada ao departamento de recursos humanos, e ainda não há essa formação. Há uma preocupação das agências que apoiam e ao mesmo tempo avaliam, estão preocupadas em preparar pessoas, estão surgindo programas de pós-graduação na formação de profissionais de sustentabilidade/ ESG. Mas com o tempo acredito que vai surgir sim essa formação que é transversal, ela incorpora o elemento ambiental, o elemento social e incorpora o elemento da governança que tem suas especificidades.

Na formação dos profissionais a agenda ESG ainda está numa pauta adicional, além de ver questões de finanças e marketing, por exemplo, ela vai ver questões de ESG. Nós ainda estamos numa fase de aprendizado, nós estamos conduzindo um projeto chamado “Inovação motor do ESG”, porque inovação é meio, não é fim. A empresa não inova por inovar, ela inova para atingir algum objetivo estratégico. Eu quero preservar o valor da minha empresa no longo prazo, então eu crio um ciclo contínuo de inovação. Eu quero melhorar a margem da minha empresa, então eu crio um ciclo de curto prazo de inovação para melhorar eficiência e produtividade. Eu quero aumentar minhas vendas com inovação, então eu começo a criar novos produtos e serviços com inovações diferentes. Algumas são de curto prazo, olhando para o retrovisor porque meu concorrente fez e eu não fiz, então tenho que correr atrás; muitas de médio prazo com foco no cliente, principalmente; e algumas de longo prazo, onde vou criar um novo negócio ou uma nova atividade que não existia antes.

Quais são os desafios atuais para a implementa- ção da agenda ESG, no Brasil e no mundo?

No escopo ambiental, o desafio atual é a redução de emissões e dos resíduos. ESG é para alcançar algum objetivo, então vou reduzir emissões para atrair investidores, me posicionar no mercado como uma empresa que reduziu o impacto ambiental ou estou preocupado com o futuro do planeta, por exemplo. Redução de emissões, na minha opinião, é uma pauta mais imediata e mais “fácil” de ser controlada, porque a cada volume específico de emissão de CO2 é possível fazer alguma compensação ou é possível mudar a fonte de energia, eólica ou solar, por exemplo. O outro lado ainda na pauta ambiental são os resíduos, como usar papel reciclado. Se eu sou uma indústria da construção civil como eu gero menos resíduos? Então é ter uma análise do meu negócio e saber qual é o impacto ambiental que nós temos. Empresas mais avançadas, como a Natura, que foi a primeira empresa avaliada como B Corp no país, que são aquelas que têm um compromisso com a pauta ambiental e social de forma estratégica e legítima no seu negócio, ela tem uma preocupação com seu impacto na Amazônia. Desta forma ela treina pessoas que usam matéria-prima na Amazônia para extraírem de uma forma mais sustentável, treina seus executivos para tomarem decisões pensando no impacto ambiental e social que elas têm. Se a decisão gera algum impacto negativo, a decisão é adiada. O investimento em formação na sua empresa e na cadeia de fornecedores.

Num país como o Brasil, o grande obstáculo social é a diversidade, tanto de gênero, de raça, orientação sexual etc. Como podemos ter na empresa um reflexo da sociedade e atuar de forma consistente? Os especialistas chamam de viés inconsciente onde esse preconceito está incorporado na cultura. Se um branco e um negro se candidatam a uma vaga de trainee, o branco tem um percentual maior de sucesso. Algumas em- presas estão adotando seleções às cegas e tirando alguns itens de pré-requisito, como o domínio de inglês, para igualar a competitividade. No contexto de pandemia, estamos numa sociedade que está empobrecendo. Então é importante refletir sobre qual é a minha contribuição, como empresa, para a redução da desigualdade na sociedade.

Na terceira letra da ESG, eu diria que ainda temos um número muito grande de empresas que não têm um modelo consistente de governança, uma organização com controle de decisão, lugares onde a decisão está concentrada na mão de uma pessoa e isso precisa ser avançado. Acredito que o desafio mais urgente é organizar o nível de governança nas empresas.

A Europa tem uma agenda  mais  avançada de governança e social, mas ainda é o fator crítico no mundo. O número de empresas comprometidas com essa pauta ESG ainda é relativamente pequeno, não tenho um número exato, mas acredito que estamos falando de 10% das empresas no mundo todo. Mas há empresas engajadas com pautas isoladas, por exemplo, nos EUA, Bill Gates fala em emissões zero, não é compensação de CO2, é emissão zero mesmo.

ESG já é uma agenda consolidada ou ainda está envolvida por confusão de conceitos? Por exemplo, muita gente confunde ambiental com sustentabilidade, voluntariado com social, e transparência com governança.

ESG ainda não é uma agenda consolidada. Ela ganhou mais fama e reputação do que uso, muitas empresas ainda confundem, e esse é o perigo de ter uma pauta no discurso e não na prática. Se fala muito sobre as empresas fazerem o que faz (o walk the talk), mas deveriam falar o que elas fazem. O problema é quando acontece o contrário: falar o que não faz. É o greenwashing e a gente está muito preocupado com isso, a sociedade está cobrando posturas mais sustentáveis, os investidores querem saber e tem uma turma que coloca no discurso sem de fato praticar.

Social de fato não é voluntariado. No passado já se achou que não era, mas hoje faz sim par- te da agenda ESG, mas é importante ser proativa. Há uma grande diferença entre agenda ESG e sustentabilidade. Sustentabilidade ficou presa há dois fatores: compliance, que é cumprir a lei, e reação ao cliente. O cliente poderia falar “não vou comprar o seu serviço até você me pro- var que sua empresa não faz trabalho escravo”, por exemplo. Isso é seguir a pressão do merca- do. ESG é o contrário, a empresa diz que vai seguir esse padrão e vai buscar apoio e recursos pra fazer isso acontecer. É uma atitude proativa e não reativa a compliance ou reação ao mercado. Por princípio a gente está vendo que esse é o grande diferencial do ESG para a sustentabilidade. Sustentabilidade tende a ser reativa enquanto ESG tende a ser proativa. Proatividade nas empresas exige liderança. É preciso ter alguém na empresa que assuma esse papel e defina seguir nessa direção. Então ESG exige dois fatores: proatividade e o líder que busca posicionar a empresa de forma diferenciada no mercado.

Se falou em compliance e cobrança da socieda- de. Faz sentido falar em uma legislação ou crité- rios de avaliação para mensurar as boas práticas da agenda ESG?

Legislação para as coisas que tenham impacto na sociedade como um todo, por exemplo, desflorestamento, não podemos. O que for comum, vale legislação. Outro dia conversando com uma pessoa ouvi ela falar que pagar o mesmo salário para homem e mulher é um objetivo da empresa dela. Eu falei: “isso não é objetivo, isso é lei. Se você estiver pagando as mulheres com um salário menor d oque os homens, você está descumprindo a lei”. O que for proteção, a lei faz sentido. O que for práticas empresariais onde se diferencia uma da outra, o sistema de indicadores pode ser interessante. E tem. Quando alguém fala que pensa em começar a adotar a agenda ESG a gente recomenda que vai no site da B3 e ver os indicadores de avaliação da B3 e faz uma autoavaliação. Pega os indicadores que são avaliados, testados e estão em evolução, não são estáticos, faz uma análise. Se sua empresa tem impacto ambiental, olha no site da GRLI que é outra instituição com indicadores. E no caso da empresa que já tem impacto positivo e se certifica. É uma tendência, como foi a qualidade, com os ISOs, começou com algumas empresas que viraram referências para outras. Essa é uma evolução permanente.

Por que não pode ser uma lei? Porque é onde a empresa se diferencia. Poderia ter as duas coisas: um marco regulatório para o que poderia ser de interesse da sociedade como um todo e indicadores e certificações para a separação das empresas.

Um ponto importante para refletir: todo avanço tecnológico favorece quem tem a tecnologia, ou seja, gera algum tipo de discriminação competitiva. Todo avanço tecnológico é discriminatório, algo inerente ao sistema capitalista, o que induz cada vez mais as empresas  a  buscarem  soluções  inovadoras. O avanço tecnológico gera discriminação, ao mesmo tempo gera reação e os concorrentes copiam e alimenta uma busca constante por novas ideias, novas aplicações.

Na sua opinião, a agenda ESG é um modismo, uma tendência ou uma realidade? Está otimista com o futuro da adoção dessa agenda?

É uma tendência. Veio pra ficar e fazer parte da estratégia das empresas, ou seja, ela vai dar lucro, vai reduzir desigualdade, aumentar diversidade, reduzir impactos ambientais. Não faz sentido nos dias de hoje a pessoa falar “a minha empresa só dá lucro”. Não dá pra delegar essas responsabilidades pros governos na forma de arrecadação de impostos, eles não dão conta. No mundo inteiro as mudanças são planetárias. ESG é uma pauta que veio pra ficar, é diferenciadora, gera vantagem competitiva, as empresas que adotarem essa pauta terão mais retorno e mais ganhos. Em breve os jovens vão poder escolher e se perguntar se vão trabalhar numa empresa que não gera impacto ambiental ou numa que destrói a Amazônia, por exemplo. Os jovens vão começar a ser mais seletivos nesse processo e os consumidores também. Será uma diferencial de atração e retenção. Ela veio pra ficar e vai mudar nossa forma de fazer gestão. Hoje ela está em um movimento de moda. Essa fase de moda vai passar e vai ficar como um modelo competitivo das empresas. Num futuro muito próximo vamos começar a ver formação em ESG, pós-graduação em administração com foco em ESG e assim vamos consolidar esse processo de mudança na sociedade.

Além da pauta ESG estamos vendo um movimento de mudança de tecnologia. Se juntar o ESG com o digital teremos mudanças incríveis possibilitando atuar de forma mais inteligente e responsável.   Algumas   empresas   começam a se preocupar se seus clientes e fornecedores têm uma pauta ESG e se perguntam se querem trabalhar, ter parceira, com alguma empresa que apresenta algum dano ambiental, social ou de governança. É a coerência além do discurso, mas na relação com o cliente. Se o meu cliente estiver usando a minha inovação tecnológica para promover algum dano, eu posso avaliar se quero manter essa parceria comercial. Antes, desde que a empresa quisesse comprar, eu estaria vendendo. Agora vemos essa discussão incipiente no Brasil.

A inovação tem um papel relevante e motriz para a implementação da agenda ESG. E quando se fala em inovação, devemos levar em consideração a propriedade intelectual. Como equilibrar e potencializar essa relação? Como as empresas estão enxergando o papel da propriedade intelectual para implementação da agenda ESG?

Como são temas relativamente novos e ESG tem andado de mãos dadas com tecnologia e inovação, muitas empresas não conseguem inovar sozinhas e têm buscado parcerias com outras empresas de tecnologia. E há uma grande discussão sobre avanços que geram grande impacto  na  sociedade,  como  por  exemplo, mineração sem água ou lavar carro sem água: eu deveria proteger a minha propriedade intelectual e ser exclusiva ou deixá-la pública por ser um bem para toda a humanidade? É uma discussão nova. Hoje, à medida que eu desenvolvo uma solução eu tenho exclusividade para exploração dessa solução ou posso licenciar para quem queira pagar. Mas se eu desenvolvo algo impactante eu deveria proteger essa inovação, mesmo sabendo que a humanidade iria se beneficiar dessa solução? Essa é uma pauta que ainda não está bem resolvida. Alguns especialistas alegam que é igual a medicamento. Se você desenvolve uma vacina pra Covid, por exemplo, você explora comercialmente esse conhecimento. Outros especialistas afirmam que é semelhante à medicação contra a AIDS em que houve uma quebra de patentes. Há uma discussão que não tem uma resposta objetiva.

Primeiro ponto: eu vou precisar desenvolver mais inovações abertas com empresas e centros de pesquisa em pautas ambientas e sociais porque é novo pra todo mundo. Segundo ponto é: se esse conhecimento for de interesse global se eu deveria ou não protegê-lo ou não com patente. A tendência atual é sim proteger e explorar comercialmente como as empresas de vacina estão fazendo. O que é proibido é não explorar comercialmente e deixar o conhecimento na gaveta parado.

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