Notícia

As iniciativas governamentais frente aos desafios da propriedade intelectual no Brasil

Por:

Eriça Tomimaru – Advogada associada do escritório Di Blasi, Parente & Associados.

Thalys Freire – Analista de relações governa- mentais do escritório Di Blasi, Parente & Associados

O presente artigo se propõe a levantar o debate sobre os principais desafios da propriedade intelectual (PI) no Brasil e quais as iniciativas governamentais em discussão ou propostas a fim de aperfeiçoar esta área do direito.

Podemos entender propriedade intelectual como a área do direito que assegura a proteção da criação humana e o direito ao seu inventor e/ou criador a recompensa pela criação, seja essa científica, literária ou artística.[1] De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), PI é dividida em duas categorias: 1) propriedade industrial e 2) direitos autorais.

O presente artigo irá se debruçar mais detalhadamente em uma das categorias da primeira divisão (propriedade industrial), qual seja, a de patentes.

Patente é uma forma de proteção da propriedade industrial, na qual, garante ao inventor o direito exclusivo sobre o produto e processo que atendam aos requisitos de patenteabilidade, qual seja, novidade atividade inventiva e aplicação industrial. O órgão responsável pela concessão dessa proteção no Brasil é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). E é neste processo que o Brasil encontra uma das suas maiores complicações.

De acordo com a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), o prazo para proteção de patente de invenção é de 20 anos, contado a partir do depósito do pedido de patente no INPI. Contudo, se o exame da patente demora mais de 10 (dez) anos, o seu prazo de proteção será de 10 (dez) anos a partir de sua concessão. Vejamos, pois, um exemplo: uma indústria farmacêutica deposita um pedido de patente referente a um composto de um medicamento no dia 01 de dezembro de 2020. Caso sua concessão não tenha ocorrido até o dia 30 de novembro de 2030, o titular da patente terá um prazo adicional de 10 (dez) anos a partir de sua concessão. Após esse período, a patente cai em domínio público, o que possibilita o uso de sua tecnologia por terceiros. A ideia desse período de exclusividade é garantir o retorno financeiro ao inventor diante do vultuoso capital investido para a sua criação[2].

As consequências para a União resultantes da demora no exame e na concessão das patentes não só causam um grande prejuízo ao erário público, mas também à criação de novas tecnologias. Em estudo publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o órgão aponta que nos últimos 10 anos o “backlog” de patentes provocou prejuízo de mais de 1 bilhão de reais só para o Ministério da Saúde[3] Quanto a prejuízos futuros, é estimado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que o governo brasileiro gaste 3,8 bilhões de reais a mais até 2029 se o INPI não acabar com o seu “backlog” de patentes[4].

Nesse sentido, a Procuradoria Geral da República ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5529, perante o Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI[5]. A medida foi apresentada, em 2016, na época, pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. No momento, a ADI aguarda julgamento.

A necessidade de agilizar o processo de registro de patentes é evidente em todos os setores relacionados a novas criações, não só na saúde. Partindo do ponto que vivemos em um mundo digital e que as transformações acontecem de forma mais acelerada do que antes, garantir e incentivar a inovação é essencial.

A fim de se adequar às necessidades exigidas pela era moderna, o Governo Federal tem estabelecido medidas que são grandes passos para a propriedade intelectual, como a abertura de consulta pública para a estratégia nacional de propriedade intelectual, criação da comissão de propriedade intelectual em saúde (COMPIS) e o grupo de articulação de propriedade intelectual e saúde (GAPIS), a priorização dos exames de patentes para “startups”, apresentação pelo governo de projeto de criação do marco legal das “startups.

Ainda, o INPI iniciou o Projeto de Combate ao “Backlog” visando a redução de 80% do número de pedidos de patente de invenção, num período de 2 (dois) anos, emitindo assim as Resoluções nº 240/19 e 241/19.

Consulta Pública para Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (ENPI)

O objetivo central da ENPI é alcançar um Sistema Nacional de Propriedade Intelectual (SNPI). O horizonte de implementação da estratégia é de 10 anos e serão propostos planos de ações com cronogramas e metas próprias, com duração de 2 anos, sob a governança do grupo interministerial de propriedade intelectual, que será o responsável pela instituição da ENPI.

Comissão de Propriedade Intelectual em Saúde (COMPIS) e o Grupo de Articulação de Propriedade Intelectual e Saúde (GAPIS)

Ambos os comitês foram criados através da Portaria nº 2.466, de 16 de setembro de 2020, que além de instituir o COMPIS e o GAPIS, propõe mudanças que aumentarão os esforços dentro do Ministério da Saúde voltados para área de propriedade intelectual, o que poderá acelerar os processos de registros de patente. A portaria também delimita melhor os parâmetros de novos produtos de saúde considerados de interesse para o SUS (Sistema Único de Saúde) – o que pode tornar o processo para aprovação de patentes de inovações em saúde de grande relevância mais célere. As novas tecnologias da saúde que interessam ao SUS devem ter seus pedidos de patentes analisados pela ANVISA (exame de anuência prévia).

Priorização dos exames de pedidos patentes para startups e Marco Legal das “startups”

Com intuito de incentivar empresas de base tecnológica a se consolidarem no mercado, o INPI estabeleceu que “startups” possam solicitar prioridades nos exames de seus pedidos de patente. Também visando melhorar o ambiente de negócios e aumentar a oferta de capital para investimento para startups o governo enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar 249/2020. A medida também visa disciplinar o a contratação de soluções inovadoras pela administração pública.

Plano de combate ao “backlog”

A partir de 2018, o Governo Federal autorizou a contratação de novos examinadores que foram treinados para ajudar a reduzir o “backlog” de patentes.

Ato contínuo, o INPI emitiu as Resoluções nº 240/19 e 241/19, que instituíram a exigência preliminar publicada na revista de Propriedade Industrial sob os códigos de despacho 6.21 e 6.22, respectivamente. O despacho de código 6.21 é emitido para os pedidos que possuem um correspondente de busca disponível feita por outro escritório de patente (com o intuito de aproveitar o seu parecer); já o despacho de código 6.22 é emitido para os pedidos que não possuem correspondente com busca disponível feita por outro escritório.

Caso o depositante não atenda à exigência dentro do prazo de 90 (noventa) dias, o pedido de patente será indeferido sem direito a recurso. Após o cumprimento, o INPI iniciará o exame do pedido de patente. A duração média entre as exigências preliminares e as decisões é de aproximadamente 7 (sete meses).

Destaque-se que, apesar da pandemia do COVID19, o INPI não reduziu o seu rendimento de trabalho, ao contrário, houve um aumento de 20% de emissão de decisões. Para ilustrar melhor os trabalhos realizados pelo INPI, apresentamos o seguinte gráfico:

A expectativa do INPI é reduzir, no mínimo, em 80% o “backlog” de patentes até agosto de 2021 e examinar as patentes dentro do prazo de 6 (seis) anos.

Ao longo deste artigo percebe-se a importância de se criar um ambiente favorável à inovação, pois o investimento neste setor é uma forma de se incrementar o próprio desenvolvimento nacional, visto que o surgimento de novas tecnologias pode gerar mais empregos, renda para o país e possibilidade de exportação da criação interna. Também é evidente como o governo está atuando para melhorar o cenário da propriedade intelectual no Brasil.

Nesse sentido, além de atuar no combate ao “backlog”, o Governo Federal tem buscado entender os problemas e possíveis soluções com o auxílio da sociedade, através de consultas públicas. Melhorar a questão de propriedade intelectual no Brasil é um trabalho que exige diferentes frentes, no jurídico, no técnico e também em relações governamentais, na qual, os profissionais se tornam pontes entre o setor privado, sociedade civil e governo.


[1] Disponível em: https://aspi.org.br/propriedade-intelectual/#:~:text=Propriedade%20Intelectual%20%C3%A9%20a%20%C3%A1rea,tempo%2C%20recompensa%20pela%20pr%C3%B3pria%20cria%C3%A7%C3%A3o.

[2] Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-adi-5529-e-o-prazo-indeterminado-das-patentes-no-brasil-03082020

[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-adi-5529-e-o-prazo-indeterminado-das-patentes-no-brasil-03082020

[4] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/reporter-brasil/2019/08/30/patentes-remedios-cancer-reumatismo-governo.htm

[5] Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.

Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

[6] Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/plano-de-combate-ao-backlog-1

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