Landscape das patentes relacionadas à família Coronaviridae e aos surtos de SARS e MERS
Por Ana Paula Dantas Côrrea Couto, Cintia Lima e Ludmila Kawakami
Diante da emergência da COVID-19 surge também a necessidade de buscar soluções tecnológicas que possam ser de utilidade para ações globais e locais.
Nesse momento, a produção científica é crucial para melhor compreender o comportamento do vírus, a doença causada por ele e seus efeitos para que, então, seja possível desenvolver soluções. O novo coronavírus, causador da COVID-19 pertence à família Coronaviridae, usualmente conhecida como família coronavírus. Dentro dessa família, existem variações do vírus, como o Sars-CoV e Mers-CoV – que são amplamente conhecidas pelos cientistas – e centenas de outros coronavírus que circulam entre diversos animais como cães, gatos, porcos e morcegos, e entre os humanos.
Os coronavírus são vírus que causam doença respiratória de gravidade variável, do resfriado comum à pneumonia fatal, e até o momento foram identificados sete tipos de infecções por coronavírus.
Os vírus podem ainda extrapolar o hospedeiro e passar a infectar outras espécies causando doenças. Três das sete infecções por coronavírus em humanos podem ser muito mais graves e até fatais, e recentemente causaram grandes surtos de pneumonia e doenças respiratórias:
- SARS-CoV2, o novo coronavírus, foi identificado pela primeira vez em 2019 em Wuhan (China) como a causa da “doença por coronavírus de 2019” (COVID-19) e se espalhou por todo o mundo. Acredita-se que o novo coronavírus seja originário de morcegos;
- MERS-CoV foi identificado na Arábia Saudita em 2012 como a causa da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e é proveniente de dromedários; e
- SARS-CoV foi identificado em 2002 na China como a causa de um surto de síndrome respiratória aguda grave (SARS). Apesar de não ter sua origem definida, acredita-se que tenha sido transmitida de morcegos para gatos e, então, para humanos[1].
Os coronavírus são vírus de RNA encapsulados por um envelope contendo glicoproteínas em forma de espinhos responsáveis pela aparência característica de coroa que deu origem ao nome dessa família.
A partir da análise do genoma do SARS-CoV-2, é possível observar que o novo coronavírus apresenta estrutura semelhante a outros vírus do gênero dos betacoronavírus, tal como, SARS-CoV e MERS-CoV. Os betacoronavírus codificam diversas proteínas estruturais, dentre elas, as glicoproteínas S em forma de espinho que são consideradas as maiores indutoras da resposta imune no hospedeiro. Além disso, a literatura aponta que SARS-CoV e SARS-CoV-2 são capazes de invadir a célula humana a partir da ligação a um mesmo receptor, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) enquanto o MERS-CoV se liga à enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP4)[2].
Até agora, não há vacina ou tratamento farmacológico aprovado para a COVID-19, considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia e que tem sido responsável pelo colapso dos sistemas de saúde da maioria dos países atingidos, visto sua morbidade, mortalidade e elevada capacidade de transmissão. Ainda que já se tenha opções para o diagnóstico da doença, diversos países têm enfrentado dificuldades tanto na obtenção dos testes quanto no processamento e obtenção dos resultados em função da alta demanda. Portanto, soluções mais eficientes para o diagnóstico também são visadas.
Neste sentido, as soluções desenvolvidas para os demais coronavírus podem representar o ponto de partida para grupos de pesquisa em busca de soluções para a COVID-19.
As patentes são fortes indicadores de inovação tecnológica e são consideradas as mais completas dentre as fontes de pesquisa, visto que cerca de 70% das informações fornecidas pelas patentes não estão disponíveis em outros meios[3]. Assim, as patentes são amplamente conhecidas como fonte de informação tecnológica.
A fim de identificar informações na literatura patentária que possam ser relevantes para o desenvolvimento de soluções para o novo coronavírus foi realizado um levantamento na base de dados Patbase utilizando palavras-chave relacionadas à família Coronaviridae e aos surtos de SARS e MERS.
Ao todo foram identificados 12.694 patentes e pedidos de patente depositados em diferentes países desde 1972, os quais estão agrupados em 2.142 famílias estendidas de patentes. Cada família estendida de patentes reúne documentos de patente depositados em diferentes países para uma mesma tecnologia.
O depósito de patentes relacionadas aos coronavírus, ou seja, aquelas que não são específicas para SARS-CoV e MERS-CoV, é observado desde 1972, enquanto os primeiros indícios de proteção de tecnologias específicas para SARS-Cov teve início em 2002 e disparou entre 2003 e 2005, atingindo o total de cerca de 380 famílias depositadas em diferente jurisdições. Tais números representam o grande esforço tecnológico na busca por soluções para o vírus identificado em 2002 e foi acompanhado pelo crescimento do número de patentes depositadas para coronavírus que dobrou em 2005. Em relação à MERS, os primeiros depósitos foram identificados em 2013, também após a identificação do vírus.
A análise do escritório de primeiro depósito pode indicar a origem da tecnologia e do depositante e até o potencial inovativo de um país. De maneira geral, observa-se que as patentes relacionadas aos coronavírus, SARS e MERS predominantemente tiveram o seu depósito nos Estados Unidos e China, seguidos pela Coreia do Sul, Japão e Europa.
Ao mesmo tempo, dentre os dez titulares com maior número de famílias nota-se a prevalência de titulares chineses e norte-americanos e apenas um titular de origem taiwanesa. Essa distribuição pode ser atribuída ao expressivo número de famílias de patentes direcionadas à SARS, cujo surto teve início na China, e à posição dos Estados Unidos como um dos Líderes Global de Inovação ao longo dos anos.
Além disso, a análise das 25 jurisdições com maior número de patentes depositadas também demonstra a concentração da proteção nos Estados Unidos, Europa e em países da Ásia, como China e Japão.
Considerando ainda o conteúdo dos pedidos, foi possível classificar os mesmos dentre aqueles direcionados à SARS, MERS e à família Coronoviridae de maneira geral, e em relação ao tipo de tecnologia a que se referem, ou seja, soluções para o tratamento, profilaxia ou diagnóstico deste tipo de vírus. Destaca-se que muitas vezes um mesmo pedido é direcionado a mais de uma categoria de tecnologia e por esse motivo, os resultados computados se sobrepõem e não são cumulativos.
Observou-se que a maior parte dos pedidos direcionados à MERS e SARS está relacionada a tecnologias para o tratamento e profilaxia de tais doença enquanto os pedidos para diagnóstico correspondem a cerca de metade deste volume. Tal divergência, não é observada nos pedidos direcionados à família Coronoviridae, estes que apresentam um volume aproximado de pedidos para o tratamento, profilaxia e diagnóstico dos coronavírus.
A partir da análise do status dos documentos é possível especular algumas características dos pedidos como, por exemplo, se as tecnologias em questão estão de fato protegidas ou se já se encontram em domínio público ou sobre o potencial da invenção. Cerca de 41,5% dos 12.694 pedidos depositados no mundo encontram-se inativos, o que inclui patentes expiradas, pedidos indeferidos por não atenderem aos requisitos e abandonados, enquanto cerca de 58,5% destes estão ativos, abrangendo os pedidos ainda em exame ou as patentes que já foram concedidas.
Outro fator a ser levado em consideração para a prospecção tecnológica está relacionada à vigência das patentes. De maneira geral, os direitos auferidos pelas patentes são vigentes durante 20 anos contados a partir da data de depósito. Dessa maneira, espera-se que parte das tecnologias relacionadas aos coronavírus e, principalmente, à SARS possam estar próximas ao domínio público, visto que muitas delas foram depositadas entre 2003 e 2005 o que pode ser considerado um fator favorável e motivador para a pesquisa e desenvolvimento empregando tais tecnologias.
Os resultados encontrados foram ilustrados no infográfico a seguir.
As informações recolhidas fornecem um panorama geral das patentes e pedidos de patentes relacionados à família do coronavírus podendo servir de base para o técnico no assunto em busca de soluções para a COVID-19. É evidente que a prospecção tecnologia exige ainda uma análise mais detalhada do conteúdo de cada patente e, consequentemente, da tecnologia protegida. Contudo, a partir destes dados é possível traçar estratégias sobre onde buscar, pontualmente e de forma organizada, informações técnicas relevantes para novas pesquisas. Sem sombra de dúvidas, o uso das patentes como fonte de informação tecnológica é de extrema relevância para à PD&I, o que não poderia ser diferente para as pesquisas direcionas à COVID-19.
Ana Paula Couto é Especialista em Patentes na Di Blasi, Parente & Associados, graduada em Farmácia, especialista em Direito da Propriedade Intelectual e mestranda em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação. Sua atuação em PI se iniciou em 2012 e sua experiência abrange o processo administrativo de patentes; análises de patenteabilidade e de infração; buscas de anterioridades e FTO; e preparo de subsídios e nulidades especialmente, nas áreas farmacêutica, biotecnológica e química.
Cintia Lima é Especialista em Patentes na Di Blasi, Parente & Associados. Cintia é Engenheira Química e atua em PI desde 2008. Sua experiência abrange o processo administrativo de patentes; análises de patenteabilidade, FTO e infração; preparo de subsídios e nulidades; e suporte a questões técnicas em ações judiciais, especialmente, nas áreas de química e mecânica.
Ludmila Kawakami é Especialista em Patentes na Di Blasi, Parente & Associados. Ludmila é Farmacêutica e Mestre em Ciências, com ênfase em Tecnologia de Imunobiológicos e atua em PI desde 2013. Sua experiência abrange o processo administrativo de patentes; análises de patenteabilidade, FTO e infração; preparo de subsídios e nulidades; e suporte a questões técnicas em ações judiciais, especialmente, nas áreas de farmácia, biotecnologia e química, e em procedimentos relacionados ao acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado.
[1] NIH. Coronaviruses. Disponível em: https://www.niaid.nih.gov/diseases-conditions/coronaviruses, Acesso em: 30 de abril de 2020.
[2] Petrosillo, N. et al. COVID-19, SARS and MERS: are they closely related? Clinical Microbiology and Infection, March 28, 2020, ISSN 1198-743X, DOI: https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.03.026.
[3] INPI. Busca de patentes. 2016. Disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/informacao/busca-de-patentes. Acesso em: 30 de abril de 2020.